menu play alerta alerta-t amigo bola correio duvida erro facebook whatsapp informacao instagram mais menos sucesso avancar voltar gmais twitter direita esquerda acima abaixo

Xixi de bode

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1996

Recebo de João Torres Dantas Filho uma simpática carta noticiando: “Estamos envolvidos nesse empreendimento temerário de investir na caprinocultura, não pelos aspectos meramente comerciais e mais pelo desafio que estamos nos propondo de ver cumprida a filosofia de outro João — meu pai — que afirmava que a caprinocultura nordestina só seria rentável quando o saudável nutriente anticalórica e afrodisíaca carne de bode chegasse à mesa dos ricos. E isso só seria possível vencendo dois fatores: cultura de consumo negativo e comercialização desestruturada”. Como se vê o autor é um idealista, cultor das tradições do seu pai (que beleza!), quando tudo que vem dos mais velhos, para alguns tolos é atraso, cafonice, cazumba.

Junto chega um kit dos seus produtos Baby-Bode. Até desperdício, sendo eu do tempo da precata de couro cru. Para começar, o espinhaço do criame é em fatias uniformes, com agradável aspecto depois de cozido, além de pegar melhor o tempero do alecrim e do manjericão. Bem melhor que as toras decepadas com o facão.

Outra que me causou espécie, pois não conhecia e olha que até rastejar cabra em cima de lajedo eu sei, foi um preparado com bagos de cabrito e outras virtudes. Ainda com a boa nova de que braguilha desabotoada pode deixar de ser gaiola aberta para passarinho morto. São João seja louvado!

Recebi de oferenda o precioso “São João”, trazido pelo neto do velho, este parado missivista, quatro gerações de santo-joões. Se o neto João me deixou a impressão (lhaneza do trato) de um diretor do cerimonial do Itamaraty, com a sua fidalga e simpática esposa, a generosidade do João Torres me cativou e do velho e filósofo chefe da estirpe, nem se fala.

Chegaram-me quartos de bode embalados como se fossem para exportação e fato bem tratado. Recebo convite para uma bodada em Feira de Santana, quando espero estreitar essa amizade, que já é afeto.

Mas falta mais uma coisa: no meio de tanta comilança, para o brinde da fogueira, também um litro de Xixi de Bode, licor temperado pelas ervas medicinais e preferidas pela cabra, certamente: caçutinga, alecrim, flores rosas de quiabento e vermelhas de mulungu, folhas de aroeira e umbu.

Olha que recebi muitos licores de frutas da terra (inclusive de jaca) no dia da nossa maior festa tabaroa, mas confesso que o Xixi de Bode, que não conhecia, me deixou muito esperançoso e só será servido em dias de grandes galas, como os vinhos envelhecidos, aos velhos amigos do peito.

Resta sugerir ao governo incentivos fiscais para tão oportuno frigorífico, crédito manso, aquisição dos produtos para a merenda escolar, servindo-o também nos banquetes oficiais, se querem agradar aos convidados, mesmo os de paladar refinado.

Encomendas: tel. 075-625-9911.

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).