menu play alerta alerta-t amigo bola correio duvida erro facebook whatsapp informacao instagram mais menos sucesso avancar voltar gmais twitter direita esquerda acima abaixo

Restos de parto da ditadura

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1996

 

Alguns males das casernas continuam, ainda que disfarçados. Muitos tão vivos que não há esperança, a curto prazo, de saná-los. Os que examinam superficialmente os fenômenos políticos brasileiros pensam que somente o cidadão sofreu com a ditadura. Engano. O município também foi violentado.

Interessava ao governo forte enfeixar todos os poderes em suas mãos, além dos recursos financeiros, deixando-os fluir na medida das conveniências, para subjugar os prefeitos, cada vez mais dependentes. Nos municípios mais modestos toleravam-se até eleições. As capitais, ou os que qualificavam de zona de segurança, jamais. Eram nomeados. Hoje até as comunidades menores perderam a autonomia eleitoral.

Veio a Constituição de 88. Chega a abertura que se dizia democrática, mas os mesmos que mandavam naquele turvo período não se esqueceram dos métodos, sendo que o vice-presidente que assumiu era o que havia de pior da “carcaça velha”, aí no sentido literal. Quanto mais atrasada a unidade da Federação, mais sofre desse resto de infecção, que não se drenou.

O mais gritante exemplo atualmente é o da escolha do candidato a prefeito. Nem o direito de ser indicado pelo município existe. Os nomes sugeridos, na melhor das hipóteses, é levado numa espécie de lista tríplice ou quádrupla ao governador (no caso da Bahia), é ao cidadão que reúne todos os poderes – Executivo, Legislativo e, dizem, até o Judiciário. E é ele que, considerado o Leão, o que “nomeia” o futuro prefeito, com a promessa de que os recursos e cargos virão encachoeirados para quem o apoiar. Quase sempre não se indica o melhor, mesmo sendo do grupo. Escolhe-se o mais dócil e o que tenha dinheiro para gastar. São os critérios. O máximo da democracia é apresentar dois ou três do mesmo redil.

Chegamos a fundar, ainda no tempo de Castelo Branco, a União dos Prefeitos – uma espécie de sindicato aguerrido para defender os interesses dos municípios, a integridade política e até pessoal do seu representante. Pretendíamos com a força da coesão, sem comprometer individualmente nenhum, protestar contra os abusos, injusta distribuição de verbas e castração da política municipal. Ficou pior que na ditadura, com algumas exceções. A União se tornou pelego. Enfraquecida ainda pela divisão das “uniões” regionais, que hoje são muitas no estado, todas impotentes, aliciadas e estimuladas por quem as deseja frágeis e representa a ditadura. E, como no tempo das guaritas, os recursos que passam pelo poder estadual, inclusive os vindos do Planalto, são liberados ainda como instrumento de pressão para submeter mais os municípios. Adotam o “quem come do meu pirão está sujeito ao meu correão”. Continua o regime, que já se imaginava derrotado.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).