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Quem é do Sendero Luminoso?

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1995

 

 

                Procuravam um pretexto. Encontraram-no: os sem-terra recebem ajuda do Sendero Luminoso. Antes, era dinheiro de Moscou. Como essa coisa ficou ridícula, agora é o apoio dos comunistas do Peru. Falta ainda dizer que estão metidos com o tráfico de cocaína. Mas chegarão lá.

                Em 1964, um inocente cidadão estava sendo ouvido no Quartel General por quatro oficiais do Exército. Durante oito horas, a inquisição metralhava de todos os flancos. Em determinado momento, o acusado, inadvertidamente, soltou o palavrão “reforma agrária”. Foi o suficiente para que o major mais exaltado batesse a mão na mesa e gritasse: “Recolha-se o homem, ele é comunista”! Justiça se faça: foi um outro major que não permitiu a arbitrariedade.

                São os comunistas e petistas os culpados pelas ocupações? Não. Foi João Goulart, deposto exatamente porque pretendeu levar avante a reforma agrária? Também não.

                Por mais que pareça incrível, as ocupações de terra, que ocorrem pelo Brasil todo, têm como aliados homens de muito poder. E que sempre estiveram em altos cargos da República. O Congresso está cheio deles. São os que mais as estimulam com a omissão, em defesa dos interesses próprios e dos apaniguados. São os que, agora, querem requerer ação de inconstitucionalidade contra as desapropriações.

                Não é Jaime Amorim, líder do Movimento dos Sem Terra. Conheci-o como Jaime Gaúcho, aqui na Bahia, sempre lutando pela distribuição de áreas, meio de acabar com a violência, a fome e o desemprego. Será que se não fosse o valente Movimento dos Sem Terra, ainda se falava em reforma agrária no Brasil? Não é ele que fustiga e ameaça os indiferentes, acordando-os para a realidade?

                Certa feita, Jaime liderou a ocupação de uma gleba no Prado. O deputado, “dono” da fazenda, era também dono do aparato policial da região. Organizou um verdadeiro exército para expulsar os lavradores, sem o conhecimento do governo estadual. Houve espancamentos e prisões de muitos deles. Fomos acudi-los. Estavam incomunicáveis. O delegado não deixava ver os encarcerados. Como se tratava do Governo Democrático de Waldir Pires, entramos em contato com o Secretário de Segurança, Ênio Mendes, e todos os detidos foram soltos, inclusive Jaime, o mais visado. Examinamos o documento da fazenda. Eram terras do Estado. Os lavradores voltaram a ocupá-las e lá estão até hoje, morando e produzindo. Nem querem ouvir falar mais em ocupação de terras, quando arriscaram até a vida.

                Receio que, ao saberem desse fato, queiram também acusar-me de pertencer à organização guerrilheira peruana.

                A melhor receita para acabar com os Senderos Luminosos e combater as ocupações é fazer justiça social, com a distribuição das áreas ociosas. E reconhecer nos sem-terra um grande aliado, pois eles é que descobrem as fazendas que não cumprem a função social, já que os órgãos encarregados disso não se movem, salvo quando há ameaça localizada de sublevação. Aí, sim, causa pânico nacional.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).