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Reforma agrária

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1987

 

 

                Evidente que a reforma interessa a todas as prateleiras da sociedade: ao comércio, porque terá mais produtos à venda e consumidores para comprar; à indústria, porque aumenta a capacidade de aquisição das suas manufaturas; ao fazendeiro produtivo, porque terá a tensão social normalizada, deixando-o trabalhar em paz; aos citadinos, porque, sem o êxodo rurícola, ficarão com menos problemas de transportes, violência, esgoto, escolas, habitação, água, tendendo ao nível da normalidade; interessa até aos donos das terras improdutivas, porque viverão sem a angústia que os apavora, sempre enxergando um inimigo em cada trabalhador rural, podendo aplicar as indenizações recebidas em negócios também rentáveis, contanto que trabalhem o próprio capital; porque, sobretudo, se cumprirão as leis do País e as do direito natural, religioso, moral, fazendo-se justiça a quem agasalha o legítimo direito de permanecer na terra e gozar a valia do seu labor.

                Tal verdade é tão enérgica que não há ninguém que se diga contra a reforma, mesmo os que não a querem. Alguns, não podendo declarar-se contra por tantas razões, criam dificuldades e sofismas, tentando inviabilizá-la, chegando a afirmar que não dá certo pela razão de que não há nenhuma experiência no Brasil de resultado positivo (o que seria o mesmo que sustentar: não podemos ter governo porque nenhum deu certo até hoje, no conceito de muitos). E o tempo está andando, desperdiçado, pelo que, agora, precisamos disparar contra as horas.

                Será que a expressão reforma agrária, sendo cunhada pelos movimentos socialistas, criou a idiossincrasia? As creches também foram, no tempo em que se dizia que o Estado tomava os meninos ao nascerem, arrancando-os do seio materno, quando, na realidade, foi a solução encontrada pelas mulheres trabalhadoras que não podiam levar os filhos às fábricas. Hoje o modelo é adotado no mundo inteiro.

                Podemos dar um histórico exemplo de política agrária aos mais assustados: os Estados Unidos — paradigma de regime para muitos — distribuíram somente 65 hectares a cada família, enquanto aqui os tratos de terra aos favorecidos mediam-se em léguas, com os limites até onde os beneficiados pudessem chegar.

                Fomos e continuamos uma sociedade agrícola com ranços de feudalismo, conservando fazendas como a do Sr. Leal, no Acre, com seis milhões de hectares ou como algumas na Bahia medindo mais de 200 mil hectares improdutivos. E pior: beneficiando-se de créditos privilegiados, em detrimento dos verdadeiros lavradores, aplicando-os em setores menos prioritários.

                Urge nos acostumarmos, pois, com a necessidade da implantação séria e efetiva da reforma agrária com toda a sua força semântica e real. Assim como o Estado não pretende arrancar o filho da mamãe ao lhe oferecer creche, assim também não se trata de tomar a terra de quem a trabalha convenientemente para dar a quem não a possui.

                Aos que imaginam uma reforma sem precisar, sequer, de raspar os pelos para a cirurgia, afirmamos não ser possível, conquanto possamos garantir que, tendo a colaboração do paciente, não haverá dor.

 Aos que gostariam de fazer como o corneteiro Lopes que tocou degolar quando o comandante autorizou recuar, respondemos que não podemos administrar com acasos, tanto mais que a ordem do governo, dentro dos padrões legais é avançar. Precisamos ser realistas, adotando a filosofia de que, quando não se pode fazer o que deve e quer, faz-se o que pode. Não se pode é sonhar com o irrealizável e nada objetivar.

                 Acabemos com o que o homem do campo ensina: “Para o rexoso tudo é parença”. Afastemos as rixas e caminhemos desarmados de propósitos: não há país democrático e desenvolvido com as terras nas mãos de quem não as lavra e só espera a valorização.

                 Precisamos da colaboração de todos: do Poder Judiciário, para que seja, não benevolente e caridoso, mas determinado na aplicação do Art. 5 da Introdução do Código Civil da Constituição (at. 160), do Estatuto de Terra e do Plano Nacional de Reforma Agrária sem os preconceitos gerados por tantos anos de privilégios; dos políticos, das associações de classes, dos profissionais liberais, de todos os trabalhadores, dos fazendeiros produtivos, sendo que, destes, alguns, espontaneamente, estão abrindo mão de parte de terras, como, aliás, os que se anteciparam na abolição da escravatura (e o escravo era também uma propriedade privada); dos meios de comunicação, dos sem-roça, dos que a têm pouco (e são muitos e às vezes perseguidos); dos que por vaidade, falsa noção de honra de perder as terras, usura, ou meros caprichos, as possuem esperando engordá-las. Precisam saber que as cornetas tocam avançar contra as injustiças sociais.

                Quanto ao resto, achamos que o debate enriquece mais a nossa verdade que a fácil concordância com ela.

                 Aceitamos, pois, sugestões e críticas.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).