Paz com a reforma agrária
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1994
Não fossem os vetos do presidente Itamar aos artigos da lei que regulamentou a reforma agrária, após a Carta de 88, ninguém falaria mais no assunto. Agora, com mais de 200 emendas, e revisão constitucional pretende a indenização dos latifúndios improdutivos em dinheiro, alterações no conceito de função social para pior; imissão na posse após o fim do processo judicial e outras barbaridades. Se com a legislação atual já é difícil, com tais mudanças tornar-se-á impossível.
Em boa hora, portanto, saiu o artigo deste jornal “Paz com reforma” (6.4.94). Merece ele, contudo, alguns adendos: até aqui só foram desapropriadas terras após ocupações e conflitos, quase sempre com mortes. Os sem-terra estão conscientes de que só a pressão lhes dará um pedaço de chão para trabalhar e produzir. E organizam-se. A culpa é deles ou de quem deveria cumprir a lei e não o faz? É muito diferente da violência urbana, que assalta, rouba e mata.
Terras desapropriadas sem a presença dos trabalhadores em estado de necessidade são quase sempre as imprestáveis. E nasce de negociata, com o proprietário interessado em se desfazer de áreas que adquiriram somente para tomar empréstimo subsidiado.
A crítica às agrovilas é perfeita. O Projeto Serra do Ramalho, onde gastaram uma fábula, não deu muito certo. É que não ouviram os trabalhadores. Estavam mais preocupados com o palacete onde Geisel passaria uma tarde, que lá não foi, tanto que a reserva, depois ocupada pelos sem-terra, por conta própria, sem qualquer ajuda, teve mais sucesso. Pretender reforma agrária como em Israel é pretexto para não fazê-la. Se desapropriar solos com TDAs tem sido difícil, quanto mais aplicar dinheiro vivo em assentamentos. Sabemos que o ideal é oferecer tudo: da assistência técnica ao remédio. O ideal! O possível foi o que se realizou na Bahia, e o bom resultado está na avaliação feita pela FAO.
Não se pode exigir que uma área de reforma agrária esteja fora da realidade nacional, com até os grandes fazendeiros passando dificuldades. Às vezes vão a um assentamento e só enxergam o lado negativo: ranchos improvisados (chamam até de favela), ausência de escola, posto médico etc. Ninguém se lembra que, antes, os seus moradores viviam perambulando pelas estradas, esmolando, e hoje têm uma perspectiva de vida, trabalho, comida.
Ainda aparecem os modernosos afirmando que os trabalhadores não estão se capitalizando e continuam na produção de subsistência. Quem pensa assim tem casa, filé, anel no dedo e emprego. Quem nada possuía botou as mãos para o céu quando achou uma nesga de roça, levantou uma choupana, plantou mandioca, matou a fome, contempla as luas cheias e não emigrou.
Por que não acreditam em Betinho, quando ele diz que o combate à miséria depende de 80% da reforma agrária?
Não haverá paz social sem comida e emprego, o que se conseguirá com a distribuição das glebas ociosas.