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Os técnicos e a reforma agrária

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993

 

Tenho tanto apreço pelo funcionário público que, quando se falou na minha abortada candidatura a governador, cheguei a dizer que todos os quadros, inclusive do primeiro escalão, deveriam ser escolhidos entre os que já trabalhavam na administração, onde se encontrava muita gente séria, competente e conhecedora dos problemas de sua área. Preferíveis aos estranhos (deputados eleitos, candidatos derrotados ou cabos eleitorais, que levam para os órgãos as frustrações e a incumbência de amealhar votos para si ou para quem os indicou.

Afirmo que conheci, entre os servidores do estado, pessoas de nível, das melhores com quem já convivi, inclusive, claro, dentro do Incra. Muitas. Verdadeiras Teresas de Calcutá, sendo que uma delas se chama Teresa. E alguns deixavam a desejar, como também existem entre as freiras da ordem das descalças. Essa explicação é para não criar suscetibilidades.

Já falamos da escolha dos assentados e da aquisição das terras para a reforma agrária. Agora é a vez da assistência técnica. Precisa ter cuidado com a indicação dos que a fazem. Não é que sejam despreparados, preguiçosos, comodistas. O problema é que saem das escolas sem qualquer conhecimento prático. Decoram lições, são capazes de apelidar todas as plantas com os nomes latinos, mas na hora de orientar onde plantar, o que plantar, como plantar a coisa amarra. Se receberem um pedaço de mandiba para botar na cova, não sabem. E o lavrador analfabeto tem a sua ciência milenar e termina desacreditando de quem deveria ser o professor, caçoando dele muitas vezes. Vivenciamos levantamentos de recursos naturais, com suas plantas aerofotogramétricas e suas sofisticadíssimas interpretações que, ao chegarem ao terreno, nada conferiam. Os técnicos tinham até boa vontade, mas eram os trabalhadores que sabiam exatamente onde plantar mandioca, feijão, milho, arroz, batata ou deixar de reserva porque nada produziriam.

O técnico tem culpa? Não. Saiu da Universidade cru, jejuno da aplicação objetiva do que aprendera no quadro negro e nos compêndios tuberosos. Sem falar nos que são mesmo contra a reforma, por errôneas questões de princípios.

Daí a necessidade de preparar antes os agrônomos e veterinários em cursos práticos, misturados com os lavradores, trocando conhecimentos, como, aliás se faz em Israel. Nos projetos, que são muito irreais, discutir com os assentados, atendendo às exigências do PROCERA, mas sem desprezar o que eles desejam realmente fazer nas terras recebidas.

Nota: em 1992 chamei a atenção do governo para os arrastões do sem-terra, que já os havia. Explodiram agora. E ainda é tempo para evitá-los.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).