Os vereadores
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1992
Por culpa das apressadas generalizações, aumenta-se o descrédito de tudo e todos. Não escapam os bons profissionais liberais, professores, juízes, promotores, funcionários públicos, presidentes de sindicatos, governantes e parlamentares. Muita gente séria, proba e ética entra sem merecer na lodosa massa dos irresponsáveis e corruptos.
Na classe política, então, ninguém sofre mais que os vereadores. Exatamente por estarem na base da hierarquia dos homens públicos, e por serem mais vulneráveis.
Fala-se somente dos vereadores desonestos, relapsos, que aumentam os próprios vencimentos, que não comparecem às sessões. Dos preguiçosos e omissos. Dos que apresentam projetos ridículos, ridicularizando-se, por conseguinte.
Mas quantos se dedicam à comunidade com verdadeira devoção? Muitos são escravos da sua gente, vivem a peregrinar pelas roças e ruelas, levando o remédio, o pão, o amparo. Não são poucos os que gastam o seu ganho com os necessitados.
Os deputados e senadores, de jaquetão, perfumados, chofer oficial e botão de ouro na lapela, ficam ao lado das elites resolvidas nos seus privilégios, enquanto o edil lá dos sertões (alguns mais competentes e estudiosos que eles), com a sua gravata puída, nó desengonçado e sapatos sem cor, continua misturado com o povo, sofrendo as suas dores corpo a corpo, cheirando os seus odores, nos momentos da doença, do enterro, do parto, da loucura dos parentes, que não têm onde internar o insano que arrebenta tudo dentro do rancho, espancando os velhos e as crianças. Estão na porta das cadeias, dos postos médicos, tentando assistir os abandonados. É quem escuta as necessidades mais urgentes do povão: o pedido para transformar a estrada pedestre em rodagem, por onde viajam o doente, a professora leiga, a produção; a ponte de madeira sobre o Riacho da Cana Brava; a perfuração de um poço tubular. Comumente seu discurso é curto e duro, não tem o brilho lantejoulado dos que citam Demóstenes e Cícero, mas compensam tudo com a sinceridade e o conhecimento desse interiorzão que muitos, sequer, sabem da existência, mas que é responsável pela sobrevivência de todos, com os alimentos.
Podem até dizer que a missão do legislador municipal não é a de fazer assistência social, mas a de legislar. Sim, tudo certo. A maior parte dos municípios, contudo, limita-se a pequenas atividades legiferantes. E é preferível acudir os desesperados a gastar o tempo nas câmaras, transando picuinhas e maledicências. Ao menos, suprem as ações de outros órgãos da administração pública, que não funcionam.
No tempo em que até governador andava de burro ferrado dos quatro pés, atolando e vencendo estivados na mata, enxergava-se o que se passava nos cafundós da Bahia. Talvez até os edis fossem menos necessários. Hoje, quando até os secretários de Transportes só fiscalizam as estradas de avião, por temerem a lama, as crateras e a poeira, os vereadores passam a ser os órgãos sensoriais do interior. São, a rigor, os mais autênticos representantes do povo, mais baratos e necessários. E vigiados. Muitos ainda moram nas suas roças e nos povoados, sendo o elo com os prefeitos.
Sem eles teríamos um organismo sem visão, tato, audição, olfato. Sobretudo quando alguns dos que estão nas prefeituras (felizmente poucos) andam cada vez mais nas pontes aéreas, afastados das comunidades, fazendo crescer o êxodo dos que ficam siderados pelas capitais.
Ao menos, quando julgarem os vereadores, tenham o cuidado de estudar-lhes o desempenho, a sensibilidade, para que não se cometam tantas injustiças como as que se repetem por simples generalizações.