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Os sem-terra I

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1998

 

Não é mais necessário provar que o Brasil precisa de reforma agrária. Há uma consciência de que ela está até demorando. Basta repetir (cansativamente já) que não existe país desenvolvido que não a tenha instalado. Dos Estados Unidos do Norte ao Japão (Mecas do capitalismo). E que, em ambos, a sua implantação se deve a dois ianques: Lincoln e MacArthur. Que, até onde sei, não eram comunistas. Aliás, os que sempre foram contra, no Brasil, já não têm mais coragem de sê-lo. Ou pelo menos dizem que não o são. Mesmo porque, quem não tem razão, teme quem a tem.

Felizmente, aos trancos, a reforma agrária começou a acontecer, está acontecendo e vai acontecer. Não foi graças aos que prenderam e torturaram; aos que a tinham como problema de Segurança Nacional e a entregaram a um general, o Danilo; aos que se aproveitam de trabalhadores já assentados ou de posseiros estabelecidos, para mostrar estatísticas falsas; aos que chamaram o advogado Lucchesi, que o era de latifundiários para orientar a reforma; aos que extinguiram o Ministério da Reforma Agrária e o INCRA; aos que publicaram a lei que permitia ao expropriado escolher 25° da área, o que significava, no Nordeste, reter o local da única aguada; ou aos teóricos.

Foi graças à pressão dos trabalhadores que aconteceu o pouco que aí está. Não fossem eles, a coisa estaria adormecida no Estatuto da Terra, cujo projeto vinha de João Goulart, que foi deposto sobretudo por isso. Enfim, o diploma legal virou cala-boca para compor uma situação do interesse da coisa de 64, admitido para não ser aplicado. Foi graças também aos padres e freiras, com sua orientação, ajuda e credibilidade, dando ânimo e modificando a devoção à propriedade privada.

O movimento dos sem-terra está sendo maior que todas as revoluções brasileiras: a Balaiada, Farroupilha, Palmares, Canudos, Constitucionalista de São Paulo. Estas foram restritas a estados ou regiões. Até a Coluna Prestes, que saiu do Rio Grande e chegou ao Norte, transformou-se somente num rastro de luz da libertação nacional, sem se expandir para os lados, mesmo porque encontrou grande resistência, em especial dos coronéis fortemente armados que lhes deram combate. Os sem-terra, não. Sacodem o Brasil inteiro. Ganham adeptos preciosos de todas as partes. Ao contrário das guerrilhas, é uma luta discreta, eficiente, sem pregar o derramamento de sangue. Contudo, está o momento de corrigir rumos. Afastar-se um pouco da política eleitoreira, vaidosa, com fome de poder. Aliás, do jeito que vai, tal procedimento está desintegrando partidos, sindicatos, dificultando alianças e o próprio Movimento dos Sem Terra, que já tem facções em disputa acirrada. E pelego ainda não deixou de existir!

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).