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Hora de pegar na enxada

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1987

 

 

Aos que de há muito falam dela, um desafio; está na hora de pegar na enxada. Já cansamos do discurso, da teoria, da conversa de botequim, da desculpa de não realizá-la porque o governo era de direita, de centro ou oblíquo, que não havia recursos materiais, nem terra, nem condições mínimas. Hoje existe o chão, o trabalhador, e com estes dois elementos nós a faremos. Evidente, que com os técnicos de boa vontade. Contudo, nós do governo, precisamos ter a humildade de reconhecer que toda a lavoura — e a do cacau é frisante — começou com o homem entrando na mata, abrindo a sua lareira, enfincando o rancho e lançando as sementes. Formou-se a produção. Sem estrada, sem médico, sem escola, sem eletricidade. O governo apareceu depois para cobrar o imposto. E a técnica do Instituto de Cacau veio muito em seguida. Qualquer lavoura da Bahia começou assim. Salvo casos recentes de lavouras planejadas e em situações excepcionais de organização e capital.

Não podemos, também, dar a desculpa deque em regime capitalista não é possível a reforma. Fê-la a Índia, partindo do regime dos marajás, mantenedores de exércitos particulares. Fizeram-na também os países socialistas — Cuba, por exemplo — em condições adversas. Lá, no Caribe, os americanos boicotaram a comercialização do açúcar, produto quase único, ao tempo em que invadiam o País, deixando os trabalhadores em estado de guerra, intranquilos, com um pé na roça e outro na trincheira — Cuba não tinha recursos, passava por intensa comoção interna.

A nossa situação é bem mais cômoda: O INCRA desapropria as terras, o governador Waldir Pires quer a reforma, criou a secretaria especializada, fez um compromisso — de homem sério — com os lavradores sem roça. Não nos consta que americanos queiram nos invadir, nem há boicote contra a nossa produção.

Existe um mundão de terra que dá perfeitamente para mantermos fazendas produtivas em regime tradicional. Podemos pois, conviver com elas. Não há desculpa em se dizer que a reforma é impossível. Carece, sim, de estudar cada caso. Se na zona chuvosa é mais fácil, na semiárida necessita de água ou conviver com as limitações dela. Não há terra imprestável na Bahia. Basta descobrir a sua vocação, estimulando-a, despertando-a para a função reprodutiva.

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).