O semiárido (I)
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1992
Em programa para o desenvolvimento da Bahia — pelo débito que se tem para com a sua população — deveríamos colocar como prioridade 1 a assistência ao semiárido. Corre pela cabeça de muitos que este é inviável, não vale a pena investir (sobretudo nessa temporada de modernidade e lucro), conquanto represente 50% do território estadual. Cometemos, assim, o mesmo erro do governo federal, que despreza o Nordeste como um todo.
Evidente que todas as regiões têm que ser contempladas. Mas os polos industriais, as culturas nobres, as áreas mais ricas, enfim, levam sempre maiores atenções e recursos, até mesmo pelo poder de pressão e densidade eleitoral.
Cremos firmemente no potencial das terras mais ensolaradas, com sua gente laboriosa, heroica, acostumada ao sacrifício, só apelando para os saques (um direito, aliás, porque se trata de estado de necessidade), quando se esgotam todos os meios e esperanças. Não cremos em programas de emergência, à base da caridade e do clientelismo. Acredito naquilo que for permanente (continuado! continuado! continuado!), educando, trabalhando com a sua gente, representada pelos religiosos, associações, sindicatos, prefeituras, câmaras de vereadores e assembleias periódicas, com o maior número possível dos interessados, dando sugestões e criticando.
Elegeria como padroeiro do programa (já que no Nordeste tem que haver sempre um beato) Louis Bromfield, americano, sim senhor. Em outro altar entronizaria São Swaminathan, indiano (agricultura terá que ser feita em pequenas glebas pela família, com reforma agrária, com o que elevou os estoques de grãos de sua pátria a 50 milhões de toneladas, igual ao da Comunidade Comum Europeia). No terceiro nicho colocaria Schumacher (o negócio não deve ser megalomaníaco e grandiloquente das grandes empresas). Estas parem salários, mas não distribuem bem a renda, nem geram a felicidade de plantar, colher e criar para si. Está provado que o homem não se contenta só com o pão. Quer a liberdade de arriscar o seu próprio negócio. Viver somente do salário é um meio de limitar a liberdade e não ter a solidão desejada (o direito de não ser vigiado e constrangido pela vontade do outro). Meteria chapéu de couro e jaleco nos três beatos, o que equivale a dizer: faria as adaptações à nossa realidade, aprendendo com os sertanejos.
Bromfield porque, depois de viver na França, voltou aos Estados Unidos, adquiriu a antiga fazenda dos seus avós, degradada pela erosão, já desaparecidos os riachos, lagoas e bosques que conhecera na infância. Terras quase imprestáveis. E recuperou-as. De saída, observou que os agricultores tradicionais, que preservavam os aceiros, onde moravam e se reproduziam os pássaros controladores das pragas da lavoura, colhiam melhores safras. Ao contrário dos que derrubavam tudo. Copiava as práticas comprovadamente boas, sem preconceito de parecer atrasado. Aí reside o x da questão.
Ao lado de tal procedimento, convidou técnicos e, ainda sem abandonar os costumes, foi aperfeiçoando os métodos e introduzindo novas orientações. O resultado foi que o escritor (Bromfield era-o), metamorfoseado em fazendeiro, conseguiu ganhar todos os prêmios de produtividade, lucratividade e qualidade dos seus produtos.
Para encurtar a história, no fim da vida, retornou a Fazenda Malabar aos recuados tempos da sua meninice, com os ribeirões, peixes, bosques e passarinhos. As galinhas comiam soltas aproveitando insetos e microelementos, pondo os ovos mais substanciosos e procurados. As hortaliças eram conservadas em ambientes naturais, refrescados pela água da fonte. Sem agrotóxicos e hormônios. Tudo dentro de um princípio muito objetivo: a ciência acompanhando a prática, com dedicação.
Falarei em seguida do aproveitamento do semiárido, com a sua vegetação nativa, criação de animais adaptados, industrialização da matéria-prima, armazenagem, comercialização e muita cautela com a irrigação indiscriminada. Contando com a mão de obra dos caatingueiros e os excelentes técnicos existentes no serviço público.