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O Semiárido

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1998

 

O maior equívoco dos estudiosos que pensam em solucionar o semiárido – mesmo com a melhor das intenções e honestidade profissional – é que pretendem transferir o seu conceito de felicidade para os caatingueiros. Não conhecem a alma e as ambições do homem do interior, que é simples, sóbrio no que consome, agasalha desejos diferentes do doutor da cidade.

Um morador do Outeiro, em Monte Santo, não aceitaria o modelo da globalização, quando os burocratas a imaginam uma fatalidade histórica, achando que é o único meio de resolver as dificuldades sociais.

Os economistas falam em competitividade e entrada de capitais estrangeiros como se já houvesse estrutura e vontade de aceitar a complexidade de Wall Street. O criador de bode é feliz em sua casa de duas águas, cozinha na puxada, depósito ao lado, curral e chiqueiro no oitão. Quer água para si e as criações. Escola para os filhos. Assistência médica para quando o caçula ficar atravessado na madre da mãe e a parteira não deu jeito. Quer a igreja, para o vigário celebrar a missa, batizar e casar os da família. Prefere pirão-de-leite com carne de sol na brasa a estrogonofe ou peixe de escabeche. Não pensa no automóvel Mercedes, sauna, casa de praia.

Não lhe passa pela cabeça a competitividade. Come o que planta e cria, e leva à feira o que sobra, para adquirir o que não produz, sem o supérfluo. Porém, os tecnocratas tipificam a agricultura de subsistência como um crime. Para felicidade do sertanejo, ele não sabe se o presidente da República discursa em socialês-democracia, mas age em neoliberalês, e, achando moderno, adotou a globalização, causadora dos círculos concêntricos da pedra jogada na lagoa, que vão até as bordas, todos padecendo o que acontece de ruim na Bolsa de Nova Iorque, Tóquio, Coreia, ou em decorrência da usura do capital estrangeiro. Como se nada tivesse a ver com isso, o chefe da Nação, culpa os outros países, quando é, também, responsável pelo sistema.

Querem levar ao homem da roça à compulsão do consumismo, que chamam de bem-estar. Medem o crescimento de um povo pelo PIB, mesmo que um tenha dois bilhões de reais e o outro não possa matar a fome dos filhos. Não entenderam que o ideal seria distribuir os bens produzidos antes de exportar, e não fazê-lo para importar o supérfluo. Quem disse que o morador da cobertura, com piscina, uísque importado e carro do ano é mais feliz que o da roça? Se querem resolver o semiárido, existe uma fórmula simples: deem ao lavrador um salário, que o manterá no campo em qualquer situação, e mais o essencial em obras, sem se preocupar com a pecha de paternalismo. Pague-se o excesso do que ele produzir generosamente (sem se lembrar de competitividade), para estimular, acompanhado do seguro até contra a seca. Soluções simples!

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).