Mestre ALírio
Euclides Neto
Rapatição, nº 12 - Ipiaú - Ba - 1985
Ninguém em Ipiaú é mais necessário: peça fundamental na sobrevivência da cidade, sem ele, a água nossa de cada dia não seria tão certa: Dr. Gramacho sabe disso. É capaz de inventar equipamentos sofisticados, consertar o que lhe entregam, modificar o necessário, socorrer o almoxarifado da EMBASA. Caso o procure para dar jeito na doença de sua máquina, prepare-se, não espere encontrar o mecânico gentil: “faça’vor”, “sente aqui”, “o amigo precisa do quê?”; pode é receber de entrada um esporro desconcertante por haver espancado a máquina que ele tanto ama. Levando um Chevrolet — sua grande paixão — tenha cuidado, ele vira uma onça quando alguém o maltrata. Jamais lhe apresente um volks ou um fiat: abomina-os.
Sua feição é dura, cabelo parecendo limalha de ferro. Se está em idílio com uma caixa de marcha é melhor ficar longe, dizendo o mal que afeta o seu doente e que o deixara ali para ele dar uma olhada, se puder. E corra depressa, antes do pipoco, mas pode confiar pois seu faro é apurado. Não precisa abrir nada para diagnosticar o mal, basta escutar. Também não lhe sugira o que deve fazer, arriscar-se-á a ouvir: — Se sabe o que é, para que trouxe? Sua ética profissional não chega a ser das mais elegantes, porque sua honestidade não suporta a safadeza dos colegas improvisados. Quando lhe der a conta, pode acrescentar mais vinte por cento de gratificação, jamais explora o cliente. Se disser que mudou peças, não duvide: é capaz de botar das dele sem incluir na conta. Nenhum auxiliar suporta trabalhar com Mestre Alírio devido a sua moral de ferro, seu rojão sem cansaço, sua capacidade invulgar. Sua roupa é um trapo besuntado de óleo e graxa e suas mãos parecem um jogo de alicates, chaves inglesas: cortadas, feridas, encascadas. Afirmam que seus dedos são capazes de apertar porcas de roda até sair água e as unhas férreas substituem chaves de parafusos. Mas se você pensar que ali mora uma alma de bloco de FNM, engana-se. É ele o amigo que lhe arruma a fruta-pão mais suculenta para o café, capaz de escolher a jaca mais açúcar-cande para presentear-lhe, colhida fresquinha da bela chácara que cultiva atrás de sua oficina. Ele, na sua arte, faz de tudo. E ainda lê bons livros, acompanha a política alta e é bem informado nas coisas acontecidas, sem discutir, sem falar. Vota em quem acha melhor e não adianta convencê-lo do contrário.