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O dólar e a eleição

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1990

 

 

É ruim a dolarização do pleito eleitoral. Inicialmente, no atacado, a compra de votos aos cabos eleitorais, que, no varejo, os repassa aos eleitores, em cruzeiros magros, ou em utilidades, quando muito.

Preocupa-nos, sobremaneira, também, porque os ladinos, para escorraçar concorrentes — que não possuíam as verdinhas — espalharam a certeza do proibitivo custo da eleição, estimado em dólares, tornando-a mais difícil ainda ou impossível. Coisa parecida com banca de jogo que só aceita parada alta, a fim de afastar os tidos como inconvenientes. Pelo que, muita gente boa deixou de participar. Somente os endinheirados, de sangue ou empresa, lançaram-se na campanha, incluindo os que se venderam como mercadoria, alugando-se. Ou os heróis, por idealismo, Fernando Santana, por exemplo, decano deles. Ou os que exercem somente a garimpagem de votos, servindo de contrapeso, completando a legenda dos outros.

Nasce forte, portanto, a figura do deputado de aluguel, eleito com o dinheiro de quem cobra depois a prestação de serviço, com subordinação e vínculo empregatício.

Como ficará, então, a Reforma Agrária? O grupo que votou contra ela não mudará de opinião. É alugado. Ganhou nota zero, ou zero vírgula quebrados, na avaliação do DIAP, exatamente porque, além de ser contra a reforma, não apoiou os projetos que beneficiam os trabalhadores durante a Constituinte.

Pois bem, essa gente está conseguindo passar a imagem de salvadora da Bahia e defensora do povo. Incrível a competência que o deputado de aluguel tem para conseguir tal proeza! Será a perversidade da serpente bíblica que vence a bondade e a pureza da pomba?

O mais grave é que estudantes, professores, motoristas esclarecidos, bancários, doutores, comerciantes que já foram escorchados deixam os candidatos e candidatas mais asseados, de passado irreprochável, em busca de quem apoiou ou foi conivente com a tortura, corrompeu, delatou, votou cinco anos para Sarney, inflacionou e é responsável por tudo de ruim que aí está, com pingadas exceções. Não é possível que a maioria do eleitorado tenha aluído e queira o pior!

Existe um peixe cascudo que só gosta de lama — o cambute. Se está entre um ribeirão cristalino e a água pútrida, prefere esta. Será que vivemos a síndrome do cambute?

Parece que se hoje se candidatassem o Demônio e Nossa Senhora, o primeiro estaria com 46% nas pesquisas e a segunda, com 4%.

Assistimos, pois, quase impotentes, à viabilidade da eleição dos adversários da Reforma Agrária. E mais grave: eleitos com os sufrágios dos trabalhadores rurais enganados, pondo em dúvida a virtude do voto e da democracia, pois que o governo não será do povo, mas contra ele.

E teremos que nos conformar, porque não há outro critério para escolher os representantes do povão.

E a lei contra o abuso econômico? Responda você, indiscreto.

Resta-nos acreditar na consciência do bem e do certo que existe em todo ser humano. Ter fé no povo. E continuar a luta.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).