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Fazer reforma agrária é fácil

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1996

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                Muito mais difícil é combater a violência nas cidades, consequência da inflamação urbana, com o êxodo rural. O primeiro passo é restaurar a Comissão da Terra em cada superintendência do INCRA, composta de três representantes da Fetag, três da Faeb. E igual número da universidade e do estado, completando nove. Presidida pela superintendência local da União.

                Indicada a área a ser desapropriada, quase sempre pelos trabalhadores, fazia-se uma vistoria por técnico do INCRA, que era levada à comissão. Debatia-se a possibilidade do ato desapropriatório. Se preciso, repetia-se a vistoria, com a presença de membros da comissão altamente qualificada. Discutiam-se em bom nível de respeito mútuo.

                Concluído o processo, seguia para Brasília, passando por avaliações de ordem legal, e, se fosse o caso, acontecia a expropriação. Pois bem, 87% das terras desapropriadas na Bahia foram-no por unanimidade da Comissão. Isso (em tempo ainda recente) quando se dizia que reforma agrária era coisa de comunista.

                Havia um convênio do estado com o INCRA, assinado pelo ministro Dante de Oliveira, nos primeiros dias da gestão de Waldir Pires. Criou-se um Conselho Estadual, formado por todas as secretarias do estado. Assim, o da Segurança Pública não tomava nenhuma medida sem antes entender-se com o da Reforma Agrária. Negociava-se com os proprietários, às vezes, meses. Sem jamais ter acontecido um massacre, apesar de a Bahia ser o segundo estado mais violento do Brasil. Os demais secretários — Educação, Saúde, Transporte etc. —, obedecendo à determinação do governador, davam prioridade ao plano, sem prejuízo das suas atividades específicas.

                Compunha a secretaria de Reforma Agrária (a primeira a ser criada no Brasil), o que muito a fortalecia, o Interba, CAR, Cordec, Diretoria do Cooperativismo. Com a extinção da Secretaria da Irrigação, veio para a Reforma toda a sua estrutura, inclusive a CERB.

                Havia perfeito entrosamento entre o estado e o INCRA local, que se completavam.

                Daí a Bahia ter ficado em primeiro lugar no sucesso do programa em nível de Brasil, reconhecido até pelo Banco Mundial, apesar do rompimento do governo federal com o do estado.

                Fez-se o possível. A violência no campo quase chega a zero, conquanto, às vezes, tivéssemos de contrariar interesses dos correligionários do próprio governo, inclusive de deputados e presidentes do partido, que chegavam ao rompimento.

                Resumindo: precisa somente de real disposição para fazer a reforma agrária; de dar-lhe prioridade, o que não é difícil, se usar a parte ociosa da administração pública estadual e municipal; convencer-se de que o sem-terra é o único lavrador que arrisca a vida e a da família buscando trabalho, onde cada vez mais não se quer morar; que ele sempre tem razão, mesmo quando aparentemente não a tenha. Recursos? É só saber que diminui a fome, o desabrigo, o desemprego, a violência, estes, sim, dispendiosos — e uma bomba atômica atual já de pavio aceso.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).