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Dia da reforma agrária

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1991

 

                Bom sinal. A reforma agrária já tem data própria: 15 de setembro, que foi comemorada ou chorada em Brasília. Quando a implantarmos mesmo, será tão importante quanto o 13 de Maio, 21 de Abril, 7 de Setembro. Dias maiores do nosso calendário.

                Pena que o ministro Malan diga que é difícil fazê-la, sob o pretexto de que cada assentado custa US$ 40 mil, transvestidos em menos de R$ 40 mil.

                Como o útil língua solta Sérgio Motta é quem alardeia que alguns colegas não conhecem os problemas brasileiros, temos agora a triste constatação.

                Não sendo prioridade a reforma, aquele desinformado ministro, que só cuida do débito e haver como um mascate turco, deve trazer o ranço de que se trata de coisa de comunista. Não sabe que Espúrio desde 467 anos a.C., Fernando I, em 1375, e José Bonifácio, em 1888, já a defendiam. Se não me engano, sem marxismo.

                Vale a pena contar um episódio: ainda no tempo de Jáder Barbalho (ah! Jáder Barbalho!), no Ministério da Reforma Agrária, chegamos a dizer-lhe que faríamos as estradas vicinais de determinado assentamento com o custo do que estavam gastando na elaboração de projeto, equivalente a um quinto do total da obra. Conhecíamos bem a fazenda. As estradas deviam ser duradouras, encascalhadas, mas simples, dependendo somente de alguns bueiros. Denunciamos o absurdo do custo ao próprio ministro. Argumentamos. Teimamos. Insistimos.                Soube mais tarde que o grosso das verbas foi para construções no Pará, nada tendo a ver com reforma agrária, sendo esta uma desculpa para abrir vias de acesso, servindo a outros interesses.

                Passado algum tempo, conversando com um empreiteiro, ele me contou, desavisadamente, a história da estrada naquela área mencionada, da Bahia: a construtora deixara 20% lubrificando a liberação da verba em Brasília;  a firma ganhadora da concorrência ficou, sem fazer nada, com 40%; pagou 40% para a subempreiteira, que gastou 20% na obra e ganhou o verdadeiro valor: 20%.

                Exatamente como prevíamos anos atrás.

                E por isso que se consomem US$ 40 mil no assentamento de uma família.

                Se calcularmos um quinto de tais valores, chegaremos à conclusão de que o gasto real será de US$ 8 mil, ou menos, previstos no caso de um trabalho decente.

                Por conseguinte, basta botar os mastins nos corruptos, até acuá-los. E teremos o custo verdadeiro.

                Quanto à reforma agrária tem mais um fator: enquanto na saúde, bem ou mal, se tenta fazê-la, até pela grita da mídia e da sociedade, na reforma agrária o que sempre se viu foi o boicote (até nos superfaturamentos de áreas adquiridas, às vezes imprestáveis, e outras falcatruas), desmoralizando-a, alegando que os sem-terra não querem trabalhar, só ficam no lote enquanto comem a manteiga passada no pão pelo governo. Esquecem-se que é a única classe que está arriscando a própria vida e a dos familiares para conseguir um pedaço de terra improdutiva nesse imenso latifúndio chamado Brasil.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).