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Curral dos bois

Euclides Neto

Folha do Cacau - Camacã - BA - 1986

 

                Há os que se imaginam donos do poder, dos homens, das decisões, enfim. Falta-lhes humildade suficiente para enxergar que o mundo viaja novos caminhos. Não se dão conta da história recente da humanidade: Rússia, China, Albânia, Cuba, Nicarágua.

                Querem impedir o avanço das pressões populares, antepondo-lhe a força das boiadas, como se ainda vivêssemos no tempo de Garcia D'Avila. Antes, detinham o que chamavam de currais eleitorais. Arrombados estes, restam os currais cheios de bois, que hoje pouco valem, quando o povo se conscientiza. Pelo contrário, o arroto da riqueza gera mal-estar, quando não a revolta dos necessitados. Demonstram, estultamente, que são eles que estão deixando os açougues sem carne, preferindo entupir os cercados, até que chegue o momento em que, após boicotarem o plano cruzado, possam eleger os deputados de cabresto (não é mais o eleitor de ...).

                Daí o ridículo, quando se fala em leilões de bois para compor a constituinte, como se boi ainda votasse. Não vai demorar muito para que os heróis façam armazém de cacau... caminhões de café...

                Não se apercebem (cegos!) que a lei injusta pode conter o povo durante algum tempo, mas que, em todas as revoluções sociais, ela foi rompida.

Aí estão as greves, o plano cruzado defendido mais pelo homem da rua que pelo soldado. Para não falar na avalancha das diretas. E quando o eleitor comum admitiu a indireta, ninguém se iluda, foi porque o candidato eleito era o que seria o mais votado se direta fosse.

                Aqueles que têm seis milhões de hectares (o caso do senador Leal, do PFL, Acre), os vinte fazendeiros da terra de Maluf que possuem área equivalente a quatro vezes todo o Estado de São Paulo, os que adquirem extensões colossais para engordar os lucros na especulação, enquanto doze milhões de famílias de lavradores não têm um taco de terra estão loucos e levando ao sacrifício os que, como nós, somos míseros detentores de pequenas e médias glebas em relação a eles. Uma reforma cautelosa e pacífica, como pretende o governo, só trará benefícios aos fazendeiros de terras agricultadas, rendendo (na região do cacau) um bilhão de dólares por safra. Só isto já é uma garantia de que nenhum José Sarney pensa em desestabilizar essa mina de divisas.

                Resumindo: quem mais deve ter interesse, hoje, pela reforma agrária, somos nós fazendeiros produtivos. Porque: se não a fizermos por bem e ordenadamente, distribuindo os latifúndios ociosos, a teremos pelo grito e à força, degenerando à violência, levando de roldão uns e outros.

                Passa a ser ridícula essa mania de defender como uma questão de honra a propriedade privada. Uma valentia quixotesca de quem se imagina partindo à guerra em busca do Santo Graal.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).