A reforma agrária morreu de inanição
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1991
Enviaram o projeto extinguindo a Secretaria Nacional da Reforma Agrária, sob a alegação de que ela não vinha correspondendo ao desejado. É insensibilidade demais, pois o órgão estava sob a direção do próprio ministro da Agricultura, que o matou de inanição. Porque o matou, sepulta-o. É zombar do discernimento de todos nós. Os senhores feudais estão comemorando. Depois não querem que os sem-terra se organizem e reajam como podem — na marra, inclusive.
Desaparecido o imaginário perigo vermelho, com a modificação do Leste Europeu, único freio para os exploradores, pode-se agora, mais à vontade, desconhecer os molambados da roça. Já não existe o risco do levante deles, imaginam. Tal convencimento é o do empresariado retrógrado rural e urbano. O lema "trabalhadores de todo mundo, uni-vos" foi substituído por outro "capitalistas de todo mundo, unidos". Curaram-se da paranoia. Os Estados Unidos mandam agora. Absolutos. Feitores do mundo. Hegemonia total. A Rússia que neutralizava as suas ganas, se recolheu. O Japão, surgido das cinzas de Nagasaki e Hiroshima, conquanto esmague os adversários, sem a bomba, mas com os microprocessadores, faz mesuras, vingando-se, trazendo a sábia filosofia "não se deixam homens desempregados". Passa por morto para comer os dólares dos americanos. Aí é outra história.
No momento, o gato saiu de casa e os ratos estão passeando por cima da mesa.
Agora existe reforma agrária somente na letra morta da Constituição, que não vale nada, pois ela não delimita mais os poderes e conduta do governo, mas é este que lhe altera o conteúdo na medida dos humores do seu plano administrativo, com os emendões. A cidadã vai sendo violentada como uma simples portaria.
Não querem saber que os levantes populares não foram inventados pela revolução soviética de 1917. Agora mesmo vimos os trabalhadores chutando os glúteos de senhores engravatados, numa demonstração de que a ira do povo não morreu e é capaz de expulsar os compradores da Usiminas. Noticia-se a ocupação de terras em todo o país.
É bom recordar ainda que no último levante russo, envolvendo milhões de homens e tanques, morreram apenas três manifestantes. Mesma baixa que houve aqui no minúsculo movimento grevista de Volta Redonda.
Assim como se fala que o crédito agrícola vem como contrapartida dos votos favoráveis dos 200 ruralistas do Congresso ao emendão, não custa completar que a extinção da Secretaria Nacional da Reforma Agrária entrou de contrapeso na negociata. Vencer ou vencer virou corromper ou corromper.
Querem copiar a modernidade do Japão, Honda, Seyko, Sony, Tujiitsu. A Toyota derrubou a Chrysler, a Ford a Volkswagen, a Mercedes, Fiat, com a revolução dos microprocessadores, levando os concorrentes a pedir socorro aos bancos e, esgotados os limites de crédito, aos próprios governos (agindo como uma estatal qualquer de país subdesenvolvido). Os nipônicos balançam a poderosa IBM.
Mas tudo isso foi realizado depois da reforma agrária.
Onde estão os deputados e senadores que tanto a defenderam nas campanhas?