As reformas
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1991
Ficamos a pensar no porquê da extinção da Secretaria da Reforma Agrária. Despeito porque foi implantada por um colega com a melhor visão do mundo atual? Não cremos, seria demasiadamente mesquinho. Insensibilidade? Talvez. Não por maldade, mas por desconhecer o sofrimento dos sem-terra e dos posseiros. Um governador nascido na capital, criado no meio universitário, cursado em Medicina, depois político a vida inteira, não pode entender das reais necessidades do campo. Se levarmos em conta que serviu durante cinco anos ao álgido presidente Sarney, exatamente quando da extinção do Ministério da Reforma Agrária e do Incra, e o ministro da área era trocado como guardanapo descartável, encontraremos mais uma atenuante. Chegaríamos a absolvê-lo — o atual governador da Bahia — se nos lembrarmos do exemplo do atual presidente, que sequer digna-se a falar em reforma agrária. Apesar de afirmar-se roxo (a dúvida é tamanha que precisa proclamá-lo), não o tem suficiente (se muito, fica rosa-lilás) quando é para mexer com os senhores feudais, donos da chamada democracia brasileira.
O atual governador — digo-o respeitosamente — para vencer tais realidades teria que ser um herói. Não se deve, pois, exigir-lhe outro procedimento. Sobretudo, se não tem nenhum compromisso com o povo da enxada. Ninguém em nenhum momento, teria a coragem de afirmar a intenção de acabar com a Secretaria da Reforma Agrária. Todos, certamente, a defenderam ou, no máximo, omitiram-se para não desagradar aos patrões. Agora, traem os eleitores. Pior: traem os roceiros que, de tão inocentes, sequer vão saber que foram traídos, pelos menos por enquanto.
Poderíamos apelar para o resto de fé cristã (já que todos se dizem religiosos). Mas já procuram pretextos para justiçar o sentimento de culpa: economia, compatibilidade da atividade agrária com secretarias afins. Assim como esquartejaram meninos, mulheres e homens, trabalhadores todos (cabeça, membros e vísceras foram procurados e juntados para o enterro), nas fazendas Puxim e Sarampo, no Sul do Estado, onde, por sinal, hoje, apesar da baixa fertilidade do solo, há satisfatória produção, assim também, com o mesmo impulso, simbolicamente, pretendem liquidar a Secretaria da Reforma Agrária.
Não acreditamos que os senhores deputados aprovem os despropósitos. Na Assembleia existe muita gente de valor, em todos os partidos. Os indecisos devem reparar no malefício que causarão à Bahia. Os medrosos, que temem represálias, assumam a responsabilidade das suas consciências. Os indiferentes e desinformados procurem aprofundar a questão, racionalizando-a, até por dever ético. Se houver alguém que discrimine o trabalhador, por necessidade de afirmar-se, oprimindo, procure um psiquiatra capaz de identificar a sua perversidade.
Reparem que a medida deve partir de certos setores do governo, visando fortalecer possibilidades eleitorais futuras, com a anexação de órgãos cobiçados. Não creio que o senhor governador tenha avaliado devidamente o desgaste e as consequências de tais manobras. Sua Excelência ainda não percebeu que a Secretaria — mesmo não sendo conservada para apoiar os injustiçados da terra, seu objetivo maior — é um para-choque ante as lutas que se aguçarão cada vez mais. Os trabalhadores estão organizados, resistindo à expulsão das terras, ocupando as que não cumprem a função social — do Rio Grande do Sul à Amazônia. Não se esqueçam que o regime militar acabou e os desterrados sabem disso.
Falam em combater os assassinatos de menores das ruas. E não percebem que o meio de evitá-los não é com a polícia, conselhos burocráticos, reuniões, seminários e visitas de ministros, mas com a organização da família, que precisa de comida, casa, trabalho, controlando o êxodo das roças — maior causa da inflamação das cidades. Até que se disponha de indústria e serviços capazes de absorverem a mão de obra rural. Querem estancar os assaltos, sequestros, latrocínios, porém não percebem que tudo isso está no desequilíbrio econômico e na criminosa propaganda do consumismo. Esquecem que o trabalho, além do pão, ajusta a emocionalidade do homem. E o meio mais fácil e barato de consegui-lo é com o aproveitamento das terras ociosas.
O sistema instalou a desgraça da sociedade, deforma-a, degenera-a. Depois tenta resolver com a polícia, que passa a ser o bode expiatório, ficando responsável pela solução dos males que não deu causa. Não param de jogar lenha na fogueira da injustiça social, e querem que a polícia apague o fogo. Quantos soldados morrem diariamente nesse ato de carregar água no cesto? E de irmãos marginalizados? Reflitam, senhores deputados.
Por favor.