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As Caatingas

Euclides Neto

Gazeta do Sudoeste - Ipiaú - Ba - 1996

 

                Se a população do interior está carente, a do semiárido caiu na miséria. Tanto mais que a última ocupa 60% do território baiano.

                Acontece que a modernidade do neoliberalismo e uma errônea orientação técnica levam as caatingas à total desorganização da economia tradicional.

                Houve um período em que os fazendeiros abonados de Jequié, com o umbigo enterrado debaixo dos umbuzeiros, não deixavam de ter uma propriedade nas caatingas. Ficavam ricos com o pioneirismo heroico do colonião de Ibitupã, Rio do Peixe, Gongogi e Ouro, mas não abandonavam a origem. Era um pouco de lúdico – a satisfação louvável de trazer o gado da mata para soltar na rama no tempo das águas. E onde sempre passavam dias.

                Os outros, que não enriqueceram, nem vieram morar na Cidade Sol, permaneceram e continuam vivendo nas suas terras, com saudade dos velhos tempos. De quando não havia a fatídica Lei dos 4 Fios, trazida pelo capim-búfalo, incentivada pelos créditos e técnicos menos avisados, causadores da quase extinção do criatório de cabras. É comum ouvir-se, mesmo à margem da Barragem da Pedra, os seus habitantes antigos lamuriando-se dos tempos atuais, quando derrubaram a mata nativa para fazer pasto, lembram que, antes, todos, grandes, pequenos e até agregados, tinham seus chiqueiros. O criame gozava da liberdade de atravessar divisas, em busca de sobrevivência.

                Plantava-se no cercado e criava-se na imensidão comum. Os animais do Caldeirão do Miranda podiam vencer o morro do Mone indo procurar comida no Espinho. E vice-versa. Os criadores de um lado e do outro cuidavam dos que por ventura não voltassem aos seus terreiros, como se próprios fossem, sem o perigo de serem abatidos a tiro, como atualmente ocorre. E não adianta alegar que isso é do tempo do onça, fera que, por sinal, está predando muito mais hoje que antes, com a quebra do equilíbrio ecológico. Não adianta também alegar atraso, porque não apresentaram, até agora, com tantos doutores, melhor exploração econômica e social do semiárido.

                Resultado: hoje, nem gado, nem cabra. E a irrigação beneficia somente uns poucos, que cedem um pedaço de terra, às vezes do próprio cedido (!), financiam adubos, venenos e energia (esta a preço da morte), tudo descontado do meeiro, quando ocorre a queda do preço, o que é muito comum, o plantador fica preso ao fornecedor, e volta a tentar a sorte novamente, sempre na ilusão da loteria agrícola Tudo isso sem falar nos agrotóxicos despejados na barragem e a salinização.

                As fazendas de capim-búfalo viraram taperas, inclusive as casas-sede luxentas e financiadas. Os que os implantaram, salvo os que têm renda fora, perderam o rebanho comido pelo sol e pelos créditos, também predadores, além de destruírem a flora que servia de pasto natural (a fauna nem se fala, que é coisa de ecologista maníaco, inimigo da modernidade).

                Precisa-se voltar à criação extensiva do bode (enquanto não se oferece uma orientação técnica capaz de gerar coisa melhor), e plantando no cercado, como antigamente.

                O que falta é conhecimento prático da realidade, porque estão pensando somente nos ilusórios turismo e indústria (que nunca chegam), mas são chiques e dão status a quem os prega. Enquanto aumenta o terrível êxodo.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).