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Adeus reforma agrária

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1995

 

                Mal havíamos iniciado um artigo elogiando a presteza com que o ministro da Reforma Agrária elabora decretos desapropriatórios, inclusive na Bahia, lemos a notícia de que S. Exa. “pretende adquirir terras a dinheiro, em lugar de desapropriação com o pagamento em Títulos da Dívida Agrária (TDAs)”. Bem que desconfiava que debaixo daquele pirão tinha carne.

                Tal decisão significa retroagir à Constituição de 1946 inviabilizando a reforma. Continuará a intransponível dificuldade: se já não é fácil com TDAs, quanto mais na boca do cofre, que anda vazio e a ordem é passar o segredo, jogando a chave fora.

                A quitação de terras improdutivas em TDAs, com prazo de 2 a 20 anos, indenizando em dinheiro somente as benfeitorias, é também uma espécie de pena para quem não usa devidamente o solo. Castigo, aliás, menos severo que o de Portugal, já no século XIV, que obrigava o lavrador descuidado da sua herdade a devolvê-la à Coroa com a multa de uma “junta de bois”. Agora, os especuladores, os indiferentes à função social da terra serão agraciados.

                Não votamos no Sr. Fernando Henrique Cardoso, mas podemos afirmar que nunca o Brasil teve tão boas opções como no segundo turno do último pleito: dois candidatos corretos e comprometidos ideologicamente com o social.

                Daí acreditarmos no governo eleito. Na sua intenção. Na sadia vaidade intelectual de quem é conhecido nos meios refinados da cultura mundial.

                Jamais os bem-intencionados devem bater indiscriminadamente em um governo como o atual. Precisamos, antes, vigiar, sugerir, elogiar, se for o caso. Pois que os espertos, habilíssimos, estão de braços abertos, com afagos e mimos. O governante acuado tende para quem o corteja. É melhor acreditar que Fernando Henrique está alisando o lombo do burro para depois botar a cangalha. A nomeação de Andrade Vieira pode ser um bom afago visando amortecer as resistências. Precisa ele – o presidente – de aprovar primeiro seu pacote constitucional e, de saída, não pode atarraxar os parafusos enferrujados, correndo o risco de quebrá-los.

                Devemos alertá-lo do que não concordamos – meio democrático de contribuir. Porque, coitado, está em palpos de aranha com os aproveitadores, que jamais se conformam em ganhar eleições sem tirar vantagens pessoais. Adquirir terras a dinheiro é demais. Abrirá também fendas à corrupção e ao fisiologismo. Os ladinos vão vender fazendas que adquiriram para justificar gordos empréstimos bancários, logo desviados para outras atividades. E aí, sim, usarão todo prestígio político para terem suas áreas, ora improdutivas, pagas com moeda forte (!). Sobretudo, agora, quando a atividade rural está cada vez mais difícil, com lavradores fisgados nas TRs bancárias.

                Aceita a sugestão do ministro, adeus Reforma Agrária!

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).