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A catinga deve e pode ser preservada

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1984

 

                Certas pessoas ao toparem um quadro de Rembrandt, ao invés de admirarem o belo artístico, calculam quanto vale em dólar.

                Na presença da caatinga perguntam: se roçadas, derrubadas, queimadas, engoivaradas e semeadas de capim-búfalo, que lucro essas terras podem oferecer? Não sabem que a caatinga é mais que um objeto comercial. É uma sedução amorosa. Os que nela nasceram ou por ela passaram, quando, às vezes, de tão crianças, nem tinham consciência da sua paisagem, guardam uma atração saudosa e profunda. São os mistérios do instinto.

                Tais valores vão aluindo com a materialização do mundo, o consumismo que pretende gastar logo o que a natureza oferece – desde a celulose (caixas, papéis, enfeites e supérfluos) que envolve as mercadorias, até as dunas e minérios, que, esgotados, farão falta às gerações vindouras. Não poupamos, como devíamos, o que a natureza nos oferece. Gastamos estroinamente tudo.

A preservação da caatinga, vista também pelo elemento água, deve ser preocupação, pois que essa não sendo abundante no semiárido, é cada vez mais poluída pela ação dos agrotóxicos da irrigação, efluentes industriais e esgotos urbanos.

No particular, parece que a natureza, prevendo a violentação, precatou-se, escondendo o líquido nas plantas, xerófilas, nos tubérculos, nas cactáceas espinhentas, nas bromeliáceas agressivas.

                Para os que não podem ver os quadros de Rembrandt sem perguntar quanto valem (até que se eduquem e esperamos que tal aconteça), por pragmatismo, evitando mal maior, e para defender a caatinga, nesta hora em que se fala em modernidade, como sinônimo de voraz competição e lucro, mesmo “que tudo vá pra o inferno”, lembramos aos que não entendem a caatinga como uma luxuriante e necessária reserva ecológica, que ela pode ser explorada com os animais domésticos adaptados, aproveitando-se o período verde, plantando-se árvores próprias (algaroba, leucena, palma) nos lugares já degradados, para suprirem a fase crítica do verão. Atendendo, assim, a sobrevivência da fauna humana.

                Contanto que se preserve a natureza como ela foi gerada! Com seus animais de pena e pele, naquela harmonia de canto, cores e controle biológico. Seus frutos sazonais saborosíssimos. Suas flores que dão o mel de jataí. Seu resto de mata e esponja natural, absorvendo água, alimentando os rios, as lagoas e o subsolo, onde, também a natureza, precavida, foi armazenar, ocultando do homem, o produto das chuvas. Preservando a cobertura vegetal, mantida a rede ciliar. Só a defesa dos recursos hídricos já justifica a conservação da caatinga.

                Jamais desmatar para plantar capim, algodão com seus tóxicos. Fujam das grandes irrigações que destroem as águas (hoje o Nordeste tem menos água servível que há cem anos e a população cresce à geometria), soja que esteriliza a terra depois de certo tempo. Seria um santuário ­– jamais um depósito de lixo atômico como até já se cogitou.

Não há resultado econômico na modernosa exploração da caatinga que compense o estupro da sua flora, fauna, rede ciliar. Sobretudo porque ela pode ser usada em favor do homem sem a pressa de esterilizá-la. O índio que a queimava para plantar prejudicou menos que a civilização que a incinera, polui e envenena.

*Data a confirmar 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).