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Emiliano José

Apresentação em “Trilhas” - primeira edição - 1998

Em outubro de 1988, escrevi um artigo sobre a Reforma Agrária e falava de Euclides Neto, então, secretário da Reforma Agrária do governo Waldir Pires. Hoje, volto a falar dele, e só dele, tentando expressar minimamente a riqueza da sua contribuição à causa de uma humanidade mais justa, solidária, fraterna. E o faço aproveitando-me do fato de a Câmara Municipal, por iniciativa da vereadora Beth Wagner (PCB), homenageá-lo com o título de Cidadão da Cidade do Salvador, numa atitude que engrandece o Legislativo da capital baiana.

Euclides Neto evoca sempre a ideia do sábio. Há gênios, há homens inteligentes, há eruditos, há espécies variadas de homens — eu dizia isso em 1988. Euclides pertence à estirpe dos sábios. Estes, como Euclides, podem ser eruditos, mas desprezam a erudição. Transmitem ensinamentos mas com a naturalidade de quem conta uma história para uma criança — e que grande contador de histórias é Euclides! Tudo que aprendeu vem da vida. Para ele, mais do que para ninguém, a teoria é cinzenta, verde é a exuberante árvore da vida.

A passagem pela Secretaria de Reforma Agrária do governo Waldir Pires foi, para ele, um misto de alegria e tristeza. Alegria, porque estava tentando colocar em prática o que pensava, afrontando todas as dificuldades. Tristeza, porque distante do balido das cabras, porque não podia mais jogar a semente no chão e vê-la desdobrar-se em tudo que alimenta o povo.

Teve oportunidade, quando secretário, de demonstrar toda sua sabedoria. Com o xiitismo recorrente adotava uma política clara: dissolvê-lo com a democracia. Se mais de cem trabalhadores chegassem à Secretaria e as lideranças pedissem só para uma comissão entrar, ele negava: queria receber todos de uma vez, colher as ideias da maioria. Nada de intérpretes pretensamente esclarecidos. Se dissessem que iam ocupar a Secretaria, propunha logo que dormissem lá, providenciava a comida e ia para casa dormir. “Mas, doutor, quem cuida da Secretaria?”, perguntavam entre perplexos e aflitos os trabalhadores. “Vocês”, respondia com a tranquilidade do sábio, andando em direção à porta da saída.

Está devendo um livro sobre a experiência à frente da Secretaria. Certamente, teremos o técnico que, em vez de mexer com a terra, prefere propor um seminário interno sobre a fertilidade de um tipo exótico de lagarta que eventualmente aparece num distrito de Macururé. Sem nunca perder a calma, ele lutou contra essa tendência comum no funcionalismo público, que prefere os gabinetes ao campo. Haverá freiras e padres progressistas com seus méritos e cacoetes. Não faltará o dedicado militante de esquerda, e outro agitado e que se pretende agitador, decididamente não gosta do batente quando é empregado do Estado. Todos esperamos, com ansiedade, que a pena ágil e inteligente revele tais personagens, em relação aos quais qualquer semelhança com a realidade não será mera coincidência.

Certamente, serão tão ricos como Machombongo, delicioso romance regional, ou como 64: Um prefeito, a revolução e os jumentos.

ilustração: Adrianne Gallinari
Emiliano José
Emiliano José: Jornalista, escritor, professor da Universidade Federal da Bahia.