Ruy Espinheira Filho
Orelha em “O menino” - segunda edição - 2014
Euclides Neto foi, antes de tudo, um homem de bem. Mas não um homem de bem meramente recolhido a uma serenidade ética que o mantivesse longe das máculas do mundo — e sim um lutador em diversas frentes, como fazendeiro, advogado, político, administrador público (prefeito, secretário de Reforma Agrária), escritor. Há muitos anos, autografando para ele um dos meus livros, escrevi que gostaria de ter a honra de votar em seu nome para governador da Bahia. Sim, na época se falava da possibilidade de sua candidatura, mas, infelizmente, outros interesses — certamente nada éticos — prevaleceram, perdendo a Bahia a oportunidade de ter como seu governante um homem digno e generoso como raros, raríssimos.
Era homem delicado por natureza, Euclides Neto, mas diante de injustiças erguia-se como lutador pronto para os mais brutais combates. E sua luta era sempre a favor do pobre, do fraco, do explorado pela implacável máquina capitalista. Também rejeitava todo tipo de intolerância, patifarias políticas, assim como desprezava a mediocridade. Um cidadão incômodo, pois, como se afirmou também na ficção e nos lúcidos e desassombrados artigos veiculados pela imprensa.
Neste último caso está O menino traquino — crônicas políticas e crônicas leves, composto de textos datados de 1989 a 1993. Trabalhos exemplares, todos, sem nenhum favor, apesar da diversidade. Porque são o que se pode esperar de melhor em termos de ironia, mordacidade, indignação e — também — lirismo. Em cada página, encontramos seu grande amor pela ética, pela terra, pelos trabalhadores, pelos sonhos feitos de generosidade, como seu horror aos canalhas de todos os matizes. E seu lirismo, sim, em vários momentos, como no comovente “O tempo das rosas”, que fecha o volume.
São textos para jornal, mas muitas vezes ultrapassam esta condição e se afirmam no espaço da literatura, obras de autor digno da melhor tradição da crônica luso-brasileira, ou seja: de um Eça de Queiroz ou um Ramalho Ortigão, chegando a grandes dos nossos como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Um belo livro, portanto, este que o leitor tem nas mãos. Que só poderia ter sido escrito por um menino traquino em significação bem mais alta, de lutador desassombrado e escritor de talento. Assim, em tudo e por tudo, um homem de bem.