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O Agrobusiness

Euclides Neto

Folha do Interior - Itabuna - BA - 1993

O Agrobusiness - Jornal do Interior - julho de 1993
Facsímile da publicação

Aberto o seminário pela autoridade maior do município, começaram as palestras. Uma enfiada no ponto final da outra, e o orador seguinte aflito para despejar a sapiência contida desde que retornara do exterior. Trazia ele o nome aureolado por um exuberante doctor of philosophy, colhido após tese intitulada O agrobusiness das frutas tropicais. A publicação estava na florida mesa composta pelas autoridades civis, eclesiásticas e militares.

Ao fim de cada frase, o doctor gaguejava, sentindo dificuldade em traduzir o pensamento do inglês para a plebeia Flor do Lácio. O que se transformava em chique e erudito cacoete. Seria capaz de falar na língua de Shakespeare em cascata de fluência, enquanto a algaravia de Jeca Tatu já lhe criava um certo embaraço pelo decurso de tantos meses lá fora. Daí rogar escusas pela dificuldade de expressar-se melhor em “nossa língua”, realmente pobre em expressões técnicas.

Conferência sem projeções é bate-papo de subdesenvolvido. Portanto, ficou a postos um auxiliar que ia controleremotando as fotografias, à medida que o conferencista elegantemente abaixava o braço como se regesse uma orquestra.

Na tela surgiram gráficos do consumo das frutas no primeiro e nos outros mundos. Preço de lá e acolá. Daqui, nada. Custo do frete: marítimo, ferroviário, aeroviário. E, como a moeda era o dólar, o entendimento ficou difícil.

Sim, já é tempo de falar do auditório. Quem escutava era o que se chama de casca-grossa do interior. Mateiros e tabaréus recém-egressos das fazendas os mais velhos. Os mais novos, genros e filhos, herdeiros, estavam ali por desfastio, que eles não queriam botar o pé na lama das roças de cacau, já em decadência, exatamente pelo abandono.

O conferencista discorreu sobre mangas, sapotis, mamão virou papaia (de jaca não se falou por preconceito contra fruta até subversiva, e afora servindo para curar aids), cítricos, acompanhadas todas pelos apelidos latinos, iluminando a exposição. Repetiram-se os valores dos nossos sucos exóticos, que precisavam ser exportados a peso de iene e não mais de dólar. Em cada período, encontrava-se um balaio de agrobusiness, commodity, misturados com as frutas. Claro que não podia faltar a crítica à insensibilidade dos governos constituídos que não estimulavam a produção. Vieram gráficos de subsídios ofertados à agricultura estrangeira. O sucesso do Chile, evitando-se zelosamente a pornográfica reforma agrária de Allende. De comida para brasileiro pobre, nada.

De tanto ouvir o tal de agrobusiness, com acanhamento de dirigir-se à sumidade, um cidadão perguntou ao que estava ao lado: “Essas frutas todas eu tenho na minha chácara. Até uma chamada de ‘crepe fruita’. A ‘comode’ já ouvi falar. Quero saber onde encontra muda de ‘agrobusinesse’”.

Aí em que dá doctor of philosophy pernóstico.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).