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Entrevista – Euclides Neto – Secretário da Reforma Agrária e Irrigação

Euclides Neto

Bahia Rural - Salvador - BA - 1989

                Bahia Rural — Qual é a verdadeira situação do Estado da Bahia?

                Secretário — Temos distorções vindas das Capitanias Hereditárias e Sesmarias. Os pequenos lavradores que iam com a enxada e a cabaça d’água para a roça, ocupavam a terra por tolerância do que se dizia dono ou às escondidas. O modelo da grande propriedade foi para o mercado externo, tipo colônia de exploração, e não a colônia de povoamento visando o consumo interno. Quase como hoje. Em 1950, tivemos o Decreto 601 tentando a ordenação das questões fundiárias. Depois da República, as terras devolutas passaram ao Estado. Por volta dos anos 70, apareceram os créditos subsidiados e a grande procura de áreas, buscando os empréstimos baratos, nem sempre legais. Tivemos a corrida à ilegalidade, à fraude, à chamada grilagem. A ordem jurídica foi impotente ou conivente. O INTERBA (Instituto de Terras da Bahia) deixou-se levar pelos mesmos caminhos e os poderosos do dinheiro e a política deitaram e rolaram sobre os posseiros e pequenos proprietários. “Legalizaram-se” áreas imensas. Escrituras que se iniciavam com alguns hectares iam, de rerratificações de áreas em reratificações, a milhares deles. Transcrições, declarações no INCRA, justificações judiciais, tudo montado no galope da impunidade. A proibição da compra de mais de quinhentos hectares burlava-se com os títulos até esse limite em nome de conhecidos, que depois se juntavam quando não eram em favor de filhos e parentes que simulavam a negociata. Atualmente, exercemos forte vigilância. Começamos por só efetuar medições de áreas maiores após comunicar aos Sindicatos para que protestem se porventura houver prejuízo para os posseiros. O Estado da Bahia dispõe de 17 milhões de hectares ociosos, quase todos, no entanto, ocupados ilegalmente.

                Bahia Rural — Quais são as dificuldades encontradas pelo governo baiano na implantação da Reforma Agrária no Estado?

                Secretário — Faltam recursos suficientes, terras liberadas e tecnologia apropriada às nossas condições financeiras e físicas de clima e solo.

                Bahia Rural — A Reforma Agrária no ritmo e condições em que está sendo realizada na Bahia atende às expectativas do Governo do Estado?

                Secretário — Não. Fazemos o que é possível, dentro das circunstâncias atuais e o grande empenho do Governador Waldir Pires.

                Bahia Rural — O atual nível de relacionamento entre os governos estadual e federal tem dificultado a realização do projeto de Reforma Agrária da Bahia?

                Secretário — Sim.

                Bahia Rural — As limitações impostas pela atual Constituição impediram ou dificultaram a implantação de algum projeto de reforma agrária no Estado?

                Secretário — No momento em que se cria um conceito discutível sobre terra produtiva gera-se uma expectativa. A lei ordinária é que não pode fugir do que é função social definida pela Constituição, bem como dos limites impostos à propriedade privada. Resumindo: terra produtiva é a que cumpre a função social. Os trabalhadores não aceitam esse clima de que a Lei Maior inviabilizou a Reforma Agrária no Brasil.

                Bahia Rural — O que a Secretaria da Reforma Agrária realizou nesses dois anos do Governo Waldir Pires e quais são as perspectivas de realizações na área, com a fusão recente das Secretarias de Reforma Agrária e Irrigação?

                Secretário — Parcelamos, assentamos, construímos estradas, escolas, armazéns, postos médicos, distribuímos sementes. Tudo com recursos do MIRAD, do Tesouro do Estado e do Banco Mundial, que estendeu os seus empréstimos a todas as áreas de reforma na Bahia e não exclusivamente nos 161 municípios do programa PAPP, por reconhecer a eficiência do Governo Democrático. São cerca de 7.000 famílias assentadas. E número bem maior de lavradores que asseguramos a presença no campo (o que é mais importante!) com uma política de proteção, assistência judiciária, presença do INTERBA ao lado os trabalhadores, atividade em consonância com a FETAG, MIRAD, convocação da polícia para que, sem descumprir a ordem judicial, não seja instrumento em benefício dos poderosos, esclarecimento e discussão franca com donos de áreas improdutivas que têm entendido a mensagem para chegarmos a uma sociedade moderna e justa. A fusão da Secretaria de Irrigação foi providencial. Os dois elementos, terra e água, estão agora juntos e inseparáveis como aliás, a natureza os apresenta.

                Bahia Rural — Como se inicia e se desenvolve um processo de implantação de reforma agrária num determinado lugar?

                Secretário — Após a imissão na posse, feito o perímetro, conferida a área e levantados os recursos naturais, define-se o número de assentados, pois aí já temos a qualidade das terras e podemos calcular a capacidade produtiva delas, variando, portanto, o modelo. Selecionamos as famílias com ampla discussão entre técnicos e sindicatos. Em seguida elas são levadas para a área, antes mesmo de casas, estradas, etc., tal a pressão social. Aí são improvisados barracos de lonas, plásticos, palmas. Abre-se um crédito alimentação e fomento. O ideal seria que, antes, existisse a infraestrutura: escola, posto de saúde, casa, crédito, técnica. Isso é o sonho! A realidade é a carência de recursos e chegamos à conclusão de que, tendo a terra viável e o braço, precisamos pensar na produção. Assim, foi a história de toda a agropecuária na Bahia. Evidente que em muitos assentamentos já temos razoável infraestrutura. Mas não aguardamos a chegada de tudo para começar.

                Bahia Rural — O que o senhor tem a dizer sobre a paralisação, pelo Governo Federal, da execução do projeto de irrigação do Rio Brumado, em Livramento, quando já está com mais de oitenta por cento construído, possui uma grande parte (o Bloco III) em funcionamento com sucesso e os custos seriam mínimos para a sua conclusão?

                Secretário — É uma pena. Tanto que o próprio Governo Federal nega que tenha paralisado. Não acreditamos — ou não queremos acreditar — que tal aconteça.

                Bahia Rural — Existe algum meio de o Estado da Bahia assumir a conclusão da obra, tendo em vista os grandes benefícios que o projeto trará para a economia baiana?

                Secretário — Meio difícil, devido à burocracia da transferência e a situação política do momento. E a falta dos recursos.

                Bahia Rural — Que gostaria o senhor de acrescentar mais, nesse final de entrevista?

                Secretário — Acrescentaria que a Reforma Agrária é uma determinação histórica no Brasil, assim como foi a Abolição da Escravatura. Ninguém a conterá. Seus adversários estão atrasados no tempo, equivocados, sendo devorados pela irracionalidade. Criaram um clima passional, uma espécie de nobreza em decadência. Terão que compreender que a nossa reforma agrária não mexe com a propriedade produtiva, não nega a propriedade privada, mas traz um conceito embutido no chamado mal uso da propriedade: assim como a ninguém é dado usar o que é seu, prejudicando o vizinho, assim também a ninguém é permitido ter a propriedade sem lhe dar a função social, causando, portanto, à sociedade, o mal-estar, o desconforto, o prejuízo de, com sua atitude, provocar a fome, a carência de moradia, o homicídio, o assalto, o estímulo ao tráfico de droga, o medo, a falta de trabalho, e que, por simples desfastio, vaidade ou lucro, possui simplesmente um bem essencial (e não produzido) à existência humana.

 

 

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).