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Ao Sr. Otávio Frias / Editor Chefe

Euclides Neto para Otávio Frias

Ipiaú - Ba - 1992

 

c/o A Folha de São Paulo

                Prezado Senhor,

“Revoluções” de Abril

 

                Concluiu-se o movimento de 1964 sem choque de armas. Tudo não passou de um aperto de mãos. Mas houve espetacular inquietação de tropas. Desta vez, com a modernidade, foi mais delicado. Colocou-se o presidente no formol, segundo o Mellão Neto, e mudou-se o ministério, mantendo-se o Judiciário e o Legislativo, como, aliás, anteriormente.

                Um governo se caracteriza pelas ideias dos que estão no poder. Os homens e as ideias de 64 voltaram. Inclusive o biônico ex-prefeito de Maceió. Falta quem? Filinto Müller? Costa e Silva? Médici? Impossíveis hoje.

                Até Armando Falcão, apoiando a reforma, claro, faz humor: “Caçam com os nossos cachorrinhos”. O sítio de Teresópolis, do ex-presidente Geisel, virou Meca. Está sendo visitado por ex-ministros seus, dando-lhe satisfações.

                Quem é o Presidente da República? Certamente uma força bem articulada, invisível (será o espírito de Golbery?), puxa, os cordões para que tudo fique como era antes. Já não precisa ser tão oculta assim. Os ministros militares são imexíveis.

                Deram linha ao peixe. Deixaram-no espernear, xingar até morder os banqueiros e os industriais, mostrar músculos, exibir-se. Nem se incomodaram muito com suas estrepolias nas águas turvas. No momento certo, usou-se o molinete e o imobilizaram. Restou um cadáver de tubarão, com as traças a lhe arrancarem nacos de carne.

                Em que sentido foi empregado o verbo “pegar” quando o então candidato Collor prometeu a operação “pega-ladrão” ?

                Uns poucos ministros servem de desodorante para diminuir o cheiro do sovaco da corrupção. Mas trazem o estigma de tudo aquilo que nos entregou o Brasil que aí está. Ou será que estão regenerados? Fizemos as eleições para quê? Será que estamos numa caricatura de parlamentarismo à America Latina, com estranha queda de Gabinete?

                Foram muito hábeis. Até a sigla tucana virou moça donzela, atraída com mil promessas à suspeita casa do noivo. De lá saiu deixando os brincos e as peças íntimas.

                Golpe de habilidade. Viva a criatividade brasileira. Tão original que um monarquista de escudo na lapela (a TFP também o é) tem de consertar a Constituição, dando-lhe as condições necessárias para chegar a modernidade, contanto que se volte ao século passado, antes da Proclamação da República.

                Diz-se que o Brasil é outro. É outro sim. Mais miserável, mais entorpecido pelo desemprego e a fome, capaz de ser manipulado por quem sempre dele se aproveitou. E com banqueiros, monarquistas, usineiros, colecionadores de automóveis Mercedes (todos inimigos, por exemplo, da reforma agrária), cuidando do social.

Euclides Neto

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).