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Yolanda Pires

Euclides Neto

Folha do Cacau - Camacã - BA - 1986

 

Decididamente há um fato novo nesta campanha política para governador. É a primeira vez que a mulher do candidato se lança pelo interior, vasculhando todos os arraiais. Não em favor do marido feito sua costela dependente, mas, e sobretudo, como uma corajosa líder, ensinando democracia. Não carrega fel nem vingança. Prega a conscientização de todas as companheiras, sacudindo-as da letárgica submissão.

Já se vê que não será uma grã-fina primeira-dama, figura hoje ultrapassada, resquício do império largado no pretérito sepulto. Não será a chique, vestida à Atenas, exibindo nas recepções brilhantes, pérolas e esmeraldas. Pessoinha sem fidunça ela é, está dizendo o mateiro.

De onde vem essa cidadã? Dos salões da corte?

Não.

Chega do exílio político, do sofrer, da amargura de ver os filhos e o esposo lutando pela adaptação e sobrevivência, sem recursos materiais, em um país de nível superior, de difícil concorrência na busca do trabalho, notadamente para um refugiado; mas onde, mesmo assim, ele abriu a brecha para ensinar Direito em uma universidade francesa. E para chegar a tanto: as incertezas, as dúvidas, a angústia, as privações. Fosse um comunista e teria muitas portas abertas para recebê-lo nos países socialistas. Preferiu agasalhar-se no chão da Bastilha, onde a Liberdade se aninha e procria, e voa aos mundos de lestes e oestes.

Yolanda não fica na elegância dos chás das 5, nem se põe nos comitês soteropolitanos. Suas sandálias pisam todas as areias, pedregulhos, barros e massapês das veredas e atalhos desta Bahia. Levanta a poeira dos confins, molha-se nas águas de muitos ribeirões. Lambuza-se nas auroras das caatingas e nos gemidos dos baianos do interior. Viu e vê e ouve e sofre a tristonha realidade do Estado. Padece pelos descampados dos sertões, tabuleiros, cerrados, gerais perdidos. E volta com a sabedoria acumulada de muito suor e gente.

Quando falam que Waldir Pires é o melhor pelo idealismo, autenticidade, bravura cívica, argúcia administrativa pois zerou a Previdência, convicção democrática, empatia com o povão, talvez tudo isso seja pouco quando nos lembramos de Yolanda Pires, aquela a quem será entregue os adotados da LBA. A que aliviará os padeceres dos enjeitados do Além São Francisco e dos Alagados. A excepcional assessora — sensibilidade e afeto no Governo — de todas as horas. Eis a mulher que, enquanto nutria os filhos com o próprio leite, embalava-os com os soluços saudosos da pátria. Essa é a maior virtude de Waldir: Yolanda, a mãe de família, que sabe o preço da carne, do açúcar, da farinha. A mulher que lavará com as lágrimas do exílio o sofrimento dos que ainda não tiveram Governo, dos exilados pela miséria dentro do próprio País. A que será capaz de conter as mordomias do palácio, poupando recursos para vestir os meninos nus. A que não desfilará de Primeira-dama, mas continuará a ser a lutadora, misturada com o povo, percorrendo os caminhos da obstinação capaz de remover montanhas.

A pioneira que dará a grande lição, demonstrando que o sistema mudou: dizendo não às sedas, colares, smokings e fraques. Teremos a democracia da temperança, da probidade, do sentimento de mãe mais próxima da justiça social.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).