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Vim ver o Brasil do interior

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1996

 

                Aí é que está o grande mal, com a prova do desconhecimento da realidade brasileira. O presidente Fernando Henrique vem a Jequié – o que já é muito e demonstra o prestígio do prefeito Lomanto Junior – e afirma: “Vim ver o Brasil do interior”. Veste camisa xadrez como se fosse a um São João na roça. Não sei se trouxe o remendo grosseiro no joelho do caipira artificial. A encenação foi tão forte que os puxa-bagos também vestiam camisa xadrez. Conhecíamos as listradas dos presidiários muito copiadas também. Temos lembranças das pardas, pretas e verdes. Já pensaram se o mordomo, por um desses equívocos possíveis, desse ao sociólogo para vestir aquela blusa que tinha uma maçã comida pela metade e a frase “eat me” dos libertários tempos da juventude dos anos 60? Aposto que muita gente ia botar a fruta no peito. Agora sentimos que o Brasil mudou: invés dos descamisados temos os encamisados, ainda que denunciando atos falhos.

                Aparecer de camisa xadrez como se Jequié fosse um “arraiá”, tudo bem. É até simpático. Mas saltou num aeroporto asfaltado, de uma cidade capital de uma região, com hospitais, hotel de oito andares, universidade, televisão, rádios, e um prefeito que já subiu todos os degraus da política, chegando a governador e senador. O grave é dizer heroico, como um bandeirante que voltava das nascentes do Rio Madeira, que veio ao interior.

                Gostaria que entrasse na caatinga para ver o caminhão pipa distribuindo a água escassa; que visitasse a região do cacau: fazendas abandonadas, trabalhadores perambulando em busca de trabalho e soubesse que os recursos para o combate à vassoura-de-bruxa estão chegando como suplicio de quem dá bacalhau cru para comer e depois serve água em conta-gotas.

                Ah! Senhor Presidente, se eu pudesse lhe mostrar o que realmente é o interior da Bahia: onde os leprosos de Canastra e Pilão Arcado vivem da caridade alemã; onde os que produzem perdem as safras por falta de estradas; onde fecharam as agências dos bancos que deveriam ter função social, e os lavradores, hoje, bem como os aposentados, ficaram léguas mais distantes e as percorrem no lombo de jumento; onde agricultor se suicida porque não pode pagar o débito contraído para plantar. Aí, sim, o senhor poderia vir até de jaleco de couro e dizer que veio ao interior do Brasil.

                Basta que, para cada duas viagens ao exterior, o senhor faça uma ao interior mesmo. E aprenda que inaugurar um poliduto na Cidade Sol, percorrer o trajeto previamente escolhido e penteado, mesmo com camisa xadrez, não é interior do Brasil. Tais equívocos não assentam bem. E, por Santa Genoveva, não apareça de camisa listrada dos enjaulados no próprio sentimento de culpa e na subserviência. Não nos faça perder a esperança.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).