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Um ministro no interior

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993

 

                Chegou o ministro. Esperando-o, a fila de carros, a multidão de prefeitos, vereadores e políticos sem cargos a esperá-lo. Só não teve trio elétrico nem ônibus fretados, que o prefeito Ubirajara Costa de Ipiaú não é de gastar dinheiro assim. Mediu-se o prestígio de cada um pelas pancadas do abraço nas costas dos correligionários.

                 O ministro Jutahy Magalhães Jr. visitou uma ocupação urbana, que chamam de invasão, onde moram a fome, o desemprego e a miséria. Choupanas de costaneiras apodrecidas, esgotos correndo ao sol, esverdeados, pútridos, coisas em decomposição. Não existem ruas nem vielas. Tudo é beco tortuoso feito trilhas de bichos. Qualquer chuva transborda toda a podridão, que invade os casebres. Ali estão os brasileiros que saíram das roças, escorraçados pela crise do cacau. Amontoam-se, degradam-se, parem como roedores. Suas vidas correm nos esgotos. Na roça ainda encontravam uma jaca, uma laranja devez, um bacopari. Com sorte, um sariguê, um luís-cacheiro, um rato bandola. Tinham um pau de lenha, água do ribeirão. Aqui é o nada, a panela oca o dia inteiro. O estômago também. Não é mais a miséria. Já é a desgraça.

                Viu 750 casas construídas pela Caixa Econômica Federal, com o dinheiro dos trabalhadores. Concluídas há mais de um ano. Devem ter enriquecido alguém e boa parte dos custos pare também como ratazanas nas caixinhas eleitorais. Pouca gente comprou. Mas não recebeu ainda. Certamente vão continuar abandonadas como tantas outras. Lindos mausoléus brancos, iguais, monótonos, espalhados na paisagem verde. Se bem administrado, com o dinheiro gasto ali, resolver-se-iam todos os problemas habitacionais de Ipiaú.

                 Depois o ministro visitou a Fazenda do Povo, que fez 30 anos em maio. Primeiro ministro a chegar naquele chão. Assistiu a centenas de agricultores colhendo as verduras para levar às feiras. Um deles perguntou se o Ministério do Bem-Estar não tinha mais feijão para mandar. O recebido para comer fora plantado e já florava. Um lavrador prestava atenção à conversa: sisudo, cenho carregado, olhos enfiados nos que falavam, sem perder uma palavra — era o gigante Marcelo. Apertou a mão do ministro, que se emocionou. Marcelo conta somente 4 anos de idade e vai colher também a sua roça de feijão. Na Fazenda do Povo a semente multiplicar-se-á por mil.

                Aí a solução para tanta fome, desemprego, desabrigo, mausoléus habitacionais. Simples. Barata. Democrática. Dependendo somente que se aproveite a terra maninha.

                O grande presidente Itamar precisa saber da nossa realidade, Sr. ministro. Boa vontade ele tem demonstrado para com a reforma agrária. Diga-lhe ainda que os donos dos armazéns, bem articulados com os funcionários corruptos do governo, preferem ver os cereais apodrecerem a perder os aluguéis. Sai mais barato, portanto, distribuir as sementes para plantar.

                 Muito obrigado por tudo.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).