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Sua majestade, o Rainha

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1997

 

 

Quando os trabalhadores rurais foram espancados aqui na Assembleia Legislativa, há cerca de cinco anos, houve uma caminhada saindo de Feira de Santana. Escrevemos, então, um artiguete intitulado "A Pequena Grande Marcha". Hoje assistimos a uma verdadeira Grande Marcha, partindo de todas as porteiras em direção a Brasília. Chegam com suas foices (e martelos para construir os acampamentos) e enxadas. Ninguém pode trazer arma, nem beber álcool. Exigem procedimento, de mosteiro. Quem não segue tais exigências é expulso. Que exemplo admirável de organização e força interior, movido pela necessidade de trabalho e comida. Entre eles um ancião já subindo a um século de vida, simbolizando a velha história dos sem-terra.

                Há quase quarenta anos, um esquisito prefeito desapropriou uma fazenda em Ipiaú e nela assentou dezenas de famílias. Lá estão os netos e bisnetos dos que chegaram primeiro. A terra continua produzindo. Quando a segunda área, bem maior, ia sendo adquirida, veio 64, e o intendente respondeu ao processo militar. No Quartel General de Salvador, ao ser ouvido por quatro majores, se descuidou e disse a pornográfica expressão “reforma agrária”. Foi a conta. Um dos oficiais bateu a mão na mesa e ordenou – Recolha o homem, ele é comunista!!! Aliás, Tito Lívio narra as peripécias da mesma reforma 476 anos a.C., quando houve cruéis assassinatos dos que a defendiam, inclusive de senadores.

                Quanto ao resultado da caminhada, vamos ver. O governo brasileiro devia copiar o imperador César, que assentou cem mil famílias, 29 anos a.C., meta hoje alardeada como possível para atender uma população milhões de vezes maior.

                Para prejudicar o movimento, dizem que ele tem conotação política. Se tiver, os lavradores não gozam de cidadania e votam?

                Invés de metralhadoras e inquéritos Brasília entrega a chave da cidade aos trabalhadores. Manda iluminar melhor a praça onde ficarão acampados. As autoridades improvisam sanitários para todos. Temem acúmulo de dejetos na capital, onde o perfume francês é o preferido. Só aí já seria uma revolução, pacífica, gandhiana, com o nome impublicável.

                E é o próprio presidente da República quem receberá os peregrinos na rampa do Alvorada, com mirras e incensos. Amedrontado, prepara uma bandeja de soluções apressadas pela força dos sem-terra.

                Certamente haverá tapete vermelho estendido, para receber Sua Majestade, o Rainha, acompanhado dos seus companheiros.

                Mudaram os tempos e o povo!

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).