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Socorro, senhores médicos!

Euclides Neto

A Tarde - Salvador-BA - 1993

Admirável o artigo “No dia dos médicos” (escritor Ventura de Matos, A Tarde, 18.10.93), onde se lê a frase lapidada: “ao dizer-se meu médico, simboliza-se afeto”.

Daí o receio da automação consumista da Medicina. Como vai, chegaremos ao ponto de empurrar o paciente no oco de um cilindro eletrônico e esperar o diagnóstico adiante, com os remédios já enfrascados, eis que outros mecanismos aviarão a receita. E não faltará um computador levando o dinheiro da conta do cliente à do hospital. Tudo como se faz hoje com uma senha, pedindo o saldo bancário. Aliás, o próprio cliente de recursos quer ver as entranhas do corpo, assim como vai à cartomante saber da sorte, ou ao psicanalista desejando conhecer os segredos da alma.

Claro que ninguém é contra o avanço da tecnologia médica, mesmo que chegue a tal absurdo. Mas quem vai atender os catingueiros do Raso da Catarina e os miseráveis que entopem as bordas das cidades interioranas? Que viram fantasmas desfilando nas salas de assistência social, arrastando os pés, olhar de poça suja, trôpegos, estendendo as mãos escaveiradas em busca de remédios e requisições de impossíveis exames sofisticados. A Medicina, cada vez mais mecanizada, está sem paciência e tempo para ouvir as queixas. Não apalpa, nem percute. Desaparece o ouvido treinado, protegido por uma toalha, nas costas do doente. Os sentidos atrofiam-se. Acabou a empatia que curava mais que as poções. E essa tecnologia toda ainda vai desempregar muito médico e inviabilizar a prática médica nos sertões.

O velho professor Fernando São Paulo ensinava a receita para o pobre e para o rico. Era censurado. Mas não adianta querer o ideal, se, na prática, não funciona.

Existe um “Guia para médicos e enfermeiras que trabalham em zonas rurais da América Latina”, publicado na Alemanha pela DSE, com soluções viáveis. Podem dizer: esses gringos querem Medicina de ponta para eles e vêm com métodos arcaicos para os subdesenvolvidos. O pior é que não há outro jeito. E temos que acudir aos pobres com urgência, já que não sabemos quando terão direito a tais avanços.

Também não resolve acusar o governo, um réu abstrato que nós criamos para bater e aliviar a culpa. A saúde, a justiça, o ensino são dirigidos por médicos, advogados, professores, que ocupam os ministérios, as secretarias e as diretorias. Portanto, nós, universitários, assumamos a responsabilidade por tais desvios.

Muitos congressos médicos são realizados, visando discutir os “casos bonitos”. Façamos ao menos um seminário da miséria, onde sejam apresentadas soluções viáveis, com os recursos de que dispomos, avaliando-se, por exemplo, as conclusões do guia mencionado.

Socorro, senhores médicos, a quem devemos até a vida, como é o caso do escriba (que o digam os doutores Agnaldo David e Rodolfo Teixeira). É o apelo de um funcionário de repartição caipira de assistência social!

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).