Só a agricultura cria
Euclides Neto
A Tarde - Salvador-BA - 1997
"O professor Edivaldo M. Boaventura fez um oportuno artigo (Uma Nova Agenda para a Bahia, jornal A TARDE, 27.6.96). Como não incluiu a reforma agrária, o que significa agricultura familiar, rogo permissão para fazê-lo, acrescentando que é o meio mais barato de criar emprego e evitar os problemas dos grandes centros. Em homenagem à erudição do articulista, gostaria de citar Castilho: ‘Só a agricultura cria. Só um povo que lhe quer, e a quer, e a serve com desenganada preferência, só esse é rico sem fausto, mas rico sem receio de empobrecer’.
Lembrem-nos que a solução da Bahia não está somente no turismo e no Polo Petroquímico, mas, sobretudo, na agropecuária. E na reforma agrária.
Citemos o caso da fazenda Capianga: cerca de 150 famílias — pelo menos 300 empregos gerados — ocuparam a área: improdutiva, abandonada, pertencente na realidade ao Banco do Brasil, BNB e Econômico, pois que o que se diz dono está inadimplente com os três. Desses, o governo só não é sócio majoritário do Econômico; mesmo assim, depois da transação com o Banco Central, passou a sê-lo indiretamente. Pertencem ao povo.
Dir-se-ia: tudo bem, porém é uma propriedade particular. Mas está abandonada, totalmente improdutiva, até a cerâmica que montaram com o dinheiro do banco — que é dos sem-terra também — não funciona, está em ruínas. Portanto, tem todas as características para ser desapropriada. Os bancos vão explorá-la? Parece que não. O que reclama da ocupação, menos ainda, pois nem pagou o que se obrigara ao assumir a compra das terras.
É justo, então, tanta gente ficar sem trabalho, sem comida e sem morada? Os sem-terra não dispõem da greve, pois nem emprego possuem. Não podem tomar o avião, chegar a Brasília, hospedar-se num cinco estrelas, para ser recebido e pressionar o presidente — dispõem somente das estrelas que aparecem pelos buracos dos plásticos onde acampam com os filhos. Não se fala em direito de propriedade de um código caduco de 1916, por que não se alega o direito do estado de necessidade em favor dos sem-comida?
Pena que o meritíssimo juiz, data venia (perdoem o trocadilho e o jargão dos cancelos e não das cancelas), não tenha examinado bem o Art. 5º da Introdução do Código Civil que manda o magistrado atender aos fins sociais e às exigências do bem comum. Soltou a reintegração de posse com inusitada celeridade, sem tentar uma composição entre as partes, como manda a prudência em tais casos, sobretudo depois dos massacres.
Data venia ainda, as autoridades, heroicas ao resolverem os bilhões do caso Econômico, deveriam gastar, ao menos, um tostão de prestígio para apressar tais desapropriações. Seria mais barato, mais fácil, mais eficiente e cumpriria o belo ensinamento de Antônio Feliciano de Castilho.”