Ser moderno
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1995
Li em revista de grande circulação nacional o que um jornalista chama de “Bolsões de Riqueza”. E o parâmetro para a escolha foi o consumismo e, em consequência, o supérfluo.
Entre as grandes indústrias instaladas destaca-se – e somente ela é citada – a de cigarros Souza Cruz, que edifica uma nova fábrica de 54 milhões de dólares. Enquanto o governo anuncia, ainda que discretamente ante os charmosos programas do consumo, que o fumo mata, faz-se o elogio do que é responsável por tantos prejuízos à saúde. Gasta-se mais com as doenças causadas pelo tabagismo que o imposto dele arrecadado.
Na mesma cidade do empreendimento chegou o golfe com os empresários americanos, compradores de fumo. O esporte virou moda, conquanto os jovens prefiram o squash.
Acrescenta-se que a televisão desempenha papel decisivo no consumo. Ela, que, ilumina todo o Brasil, “dissemina o desejo do consumo nessa fronteira ainda quase inexplorada”, diz o articulista.
Outra região ascende a esse paraíso. Em Barreiras, Bahia, a fila para adquirir um Corsa na concessionária local da GM tem 400 candidatos. E, como novidade, a loja vende uma Chevrolet 20, importada dos Estados Unidos, por cerca de 40.000 dólares. À noite formam-se filas de glutões para saborear perna de rã no restaurante francês La Rose. Existindo ainda as casas que servem comidas portuguesas, japonesas, italianas, etc.
Em Rondonópolis abriu-se uma concessionária de automóveis Peugeot. Dez dias antes da inauguração, já 44 carros estavam vendidos. Na mesma cidade, instalou-se uma butique para cachorros, que só cuida de poodles. Fazer as madeixas de um significa pagar 45 reais (mais que um salário pago em algumas regiões do nosso estado). Já se faz plano de saúde para os felizardos ao preço de 50 reais por mês, quase o equivalente ao que um cidadão comum paga por uma apólice idêntica. A mesma empresa montou um hotel para cães e gatos, que vende roupinhas, coleiras e revistas especializadas. Aliás já existe motel para os lúbricos animais.
E não se fala no Bolsão de Miséria de Barreiras, das suas pontas de rua, do êxodo rural, da destruição da fauna, da flora e das puríssimas águas dos rios e veredas (brejos) que alimentam o São Francisco como placentas. As terras onde estão plantando soja são arenosas, paupérrimas, mas cobertas originariamente por uma vegetação nanica e heroica, que a protege. Usam-nas somente como suporte físico. Nela despejam toneladas de corretivos, adubos químicos e agrotóxicos. Quando tais terras forem abandonadas, como já fizeram em outras partes do Brasil, restará um deserto. Em um desses bolsões mede-se também o desenvolvimento pelo número de recauchutagem dos seios das mulheres grã-finas.
Pergunta-se: este é o modelo de modernidade que desejamos? Por detrás de tudo isso estão os amontoados humanos, a fome, o desemprego, os seios flácidos das mães que não têm leite para alimentar as crias.