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Sacrifício dos municípios

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador-BA - 1993

Os artífices da revisão constitucional já falam em diminuir repasses de recursos federais para os municípios. Os mais pródigos acham que eles podem recebê-los, mas assumindo maiores responsabilidades. Até parece que o interior nada em dinheiro. Esquecem-se que os prefeitos ficam diretamente ligados aos dramas sociais. Quando chega a seca, Brasília está distante, surda aos clamores dos famintos e sequiosos. Os doentes continuam desassistidos por um SUS, que pode ser bem-intencionado, porém continua preso aos caprichos do cofre estadual, que recebe e repassa as verbas aos critérios eleitorais, retendo-as, antes, até que desovem nas aplicações bancárias. Restam parcelas corroídas pela inflação.

Alega-se que intendentes e vereadores deglutem o que lhes cai nas mãos, com altos salários e mordomias, chegando ao ponto de alguns cobrarem horas extras, multiplicando os vencimentos. Sim, pode acontecer, mas não é a regra.

Quando os municípios tentam se fortalecer, criando uma União, terminam cooptados pelo governo estadual, deixando, então, de ser um órgão em defesa dos associados para transformar-se em massa de manobra contra si.

As eleições das diretorias passam a ser controladas pelo governador. Não defende ninguém. Vira pelego.

 

“Quando os municípios tentam se fortalecer, criando uma união, terminam cooptados pelo governo estadual”

 

À medida que os governos federal e estadual afastam-se do município, sempre procurando obras grandiosas, os seus funcionários locais (prestação de serviços na educação, saúde, justiça, polícia), sem terem para quem apelar, exigem recursos suplementares da prefeitura, com veladas ameaças de denunciar à população, caso não sejam satisfeitos, que os serviços não funcionam porque o prefeito não colabora. Os munícipes terminam convencidos de que o intendente é o responsável por aquilo que não lhe compete. Como o interior não tem autênticos representantes no Congresso, o prefeito termina sofrendo toda sorte de abuso. O mais comum é a obrigatoriedade de entregar as obras a empreiteira ligada ao deputado, que cobra a sua bola. (Deve haver exceção.) A prefeitura não pode mais administrar as verbas, o que redundaria em uma economia de 60%, além de criar mais empregos no lugar. Infeliz do prefeito que teimar em receber recursos e aplicá-los diretamente. Começa que só a empreiteira é competente para armar o esquema e “descolar a grana” lá em cima.

Ai de quem se insurgir contra tais práticas. Restará jejuno de qualquer auxílio. Terá, então, que submeter-se a tudo, inclusive correr o risco de regularizar os desvios da corrupção.

Depois de algum tempo, o prefeito passa a ser meio funcionário da empreiteira, sem autonomia, assinando papéis e comparecendo às repartições federais, para cumprir a burocracia e justificar o lado eleitoreiro.

Isso acontece mesmo em administrações corretas, de prefeitos que não embolsam nacos de verbas.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).