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Rito sumário na reforma agrária

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1996

 

                Quando o governo pretende botar ordem na questão fundiária, com a Lei Complementar firmando o rito sumário, os ruralistas do Congresso vão criando entraves. Agora não querem a desapropriação de terras, desde que ocupadas ou invadidas como chamam. Quando se resolve um problema trazem outro, contanto que o nó não se desate. E a violência vai aumentando.

                Só quem não conhece a Justiça, o de má-fé, pode aceitar tal despropósito. Na realidade, pelo menos ao que sabemos, os sem-terras (plural é sem-terras*, e não "os sem-terra") jamais ocupam terras produtivas. São cautelosos demais para cometer tal equívoco. E mesmo que o fizessem teria a correção imediata na vistoria preliminar e obrigatória do INCRA, caracterizando se produtiva ou não. O que não pode continuar é a licantina processual (no que os juízes federais raramente têm culpa), prolongando indefinidamente uma imissão na posse, até que se demonstre o óbvio.

                Aliás, é bom lembrar que praticamente todas as terras desapropriadas até hoje foram-no pela insistência dos trabalhadores, que as ocuparam para forçar o cumprimento da Constituição. Ou áreas das quais já tinham posse às vezes centenárias, através dos avós. Mas os "proprietários", ao arrepio da lei, conseguiram título de domínio, burlando princípio que vem desde a Lei 601 de 1850, que mandava só reconhecer tal domínio a quem cultivasse a terra.

                Só houve casos de desapropriação sem a pressão dos sem-terras quando os proprietários entravam em conluio com os poucos funcionários corrompidos e conseguiam vender o que não dá nem sal torrado, pelo que continuam abandonadas, como é o caso da Santa Ernestina, aqui na Bahia.

                Ora, quando o Exército doa terras e ajuda com seus técnicos os assentamentos, aparecem os retardatários da História, espécie de escravocratas que até hoje não se conformam com o 13 de Maio.

                Justiça se faça à Câmara ao aprovar que não se considerava propriedade aquela terra que não cumprisse a função social. Infelizmente o Senado retirou o dispositivo, implícito na Constituição.

                Quando aparece um Olacir de Morais querendo vender uma das fazendas, já se desconfia: com as finanças trincadas, pretende passar a batata quente ao governo pela ninharia de US$600 milhões de dólares, depois que a agricultura se transformou no pior negócio do Brasil. Por sinal, os verdadeiros produtores rurais estão sendo tratados de tal jeito que até parece que o governo pretende levá-los à ruína total para desvalorizar as terras (!).

                Seja como for, é tolice dos ruralistas improdutivos criar problemas, inviabilizando a reforma, mesmo porque têm o direito de levantar 80% do valor depositado, antes do desenlace da demanda. Salvo se é mais um golpe para conseguir negociar a desapropriação e receber mais vantagens.

*NE: com a nova ortografia o correto é sem-terra.

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).