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Reforma Constitucional

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1994

Tribuna da Bahia, 04 de abril de 1994

                Reparem que os maiores defensores da chamada privatização são os que golpearam a democracia em 64, estão envolvidos direta ou indiretamente nas contas fantasmas, no furto do orçamento, calaram ante a tortura, endividaram o Brasil e o levaram à inflação, à fome, ao desabrigo, ao desemprego e à concentração da terra. Querem reformar a Constituição naquilo que ela avançou. Suportaram melhorias sociais amedrontados com o movimento de massas liderado pela União Soviética. Desestabilizada esta, tentam voltar atrás, copiando um sistema hoje já entrando em colapso, até no Japão, modelo milagroso do neoliberalismo, já no terceiro ano de recessão e desemprego. Onde também o primeiro-ministro Morihiro Hosokawa faz concessões para aprovar o plano econômico e ameaça de renunciar. E o rigor do ensino que prepara o jovem para a feroz competitividade leva-o ao suicídio. E já estamos esquecidos que o desenvolvimento galopante se deveu aos americanos, temerosos do comunismo na Ásia, quando chegaram a isentar taxas alfandegárias japonesas. Enquanto lá eram servidas doçuras, aqui recebíamos crédito caro, com juros reajustáveis unilateralmente, saque das nossas matérias-primas, venda de sucatas de armas, constante ameaça de retaliação se não cedêssemos a seus caprichos comerciais. Invés de parceiros sempre fomos colonos.

                Temos um empresariado agressivo, lutando contra a intervenção do Estado na economia. Que é patrão da maioria do Congresso, influencia o Judiciário e sempre mandou no Executivo, sugando-o, recebendo de volta tudo o que recolhe em forma de impostos, indiretamente pagos pelo consumidor.

                E o pior é que a massificação da propaganda neoliberal está condicionando até cabeças progressistas que passam a temer a pecha de retrógrados. Surge um novo monitoramento da direita. Agravado com os quadros que voltam de cursos no Primeiro Mundo, desejosos de implantar o que viram lá fora. Esquecidos que o barco milagroso já começa a fazer água.

                A felicidade de um País não está no PIB, no per capita, no número de ogivas nucleares. Reside no pleno emprego. Quanto mais gente ocupada menos fome, desabrigo, enfermidades, violência. Devemos começar pela reforma agrária, meio mais fácil de gerar trabalho, ter casas com o próprio material do lugar, comida, diminuição do êxodo rural (a desgraça da segunda metade do século), matéria-prima para as indústrias e estímulo ao comércio.

                Sem jamais perder de vista que o crescimento terá de ser harmônico, abrangendo todas as regiões, para que não haja hipertrofia aqui e atrofia acolá, aleijando o corpo social. Buscando sempre um modelo político nosso e colhendo a experiência dos erros e acertos dos outros.

                Tudo isso deve ser levado em conta quando estiverem podando e enxertando a árvore chamada Constituição.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).