Reforma agrária e ecologia
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1994
Há sempre certa má vontade quando se trata de reforma agrária. Qualquer falha é trazida a público com destaque. Até mesmo em jornais como A TARDE, que jamais nos negou espaço para defendê-la.
Em artigo “Destruindo a Vida” (26.9.94), com o qual concordamos em muitos pontos, temos um reparo: fala-se injustamente em áreas de “assentamentos demagógicos de famílias sem-terra em nome de uma suposta reforma agrária. O que ficou de tais iniciativas foi uma terra de ninguém, sem água, sem árvores e sem cultura alguma. Os assentados, ou viraram favelados rurais, ou foram em busca de novas fronteiras agrícolas. Restaram novas agressões a ecossistemas essenciais à vida humana, como a Mata Atlântica”.
Ora, meu Deus, o santuário da Atlântica começou a ser violentado quando levaram o pau-brasil, depois os ipês, cedros, e os vinháticos nobres para Portugal, sendo que, os últimos, destinados aos castelos e conventos.
Nas últimas décadas, chegaram os madeireiros, instalando centenas de serrarias em Teixeira de Freitas, Eunápolis e vizinhanças. Mas estes, pelo menos, deixaram as madeiras brancas — o capoeirão. Aí é que apareceu o pecuarista e passou fogo no que restou, torrando a terra e jogando semente de capim, com queimas anuais.
Agora, culpam os assentados que plantam comida para si e feiras locais em diminutas roças. O mais recente relatório da FAO, dando a Bahia em situação privilegiada na reforma agrária, é a demonstração do bom resultado do trabalho.
Se não pudermos ajudar o programa de que tanto o Brasil necessita, não o atrapalhemos. Bastam os 200 deputados que se acastelam no Congresso para destruí-lo.
Existem falhas, claro. Muita coisa por fazer, evidente. Leve-se em conta, no entanto, que um assentado está sujeito às mesmas dificuldades de qualquer pequeno lavrador: crédito compatível, estradas, assistência técnica competente, atravessadores.
Por favor, não generalizem.
Quem escreve estas garatujas pode falar de defesa ecológica, modéstia à parte. Tem fazenda mista de gado e cacau na Mata Atlântica. Conserva o resto das florestas que encontrou há 40 anos. Planta pau-brasil e distribui sementes gratuitamente. Conserva na área, em liberdade, todos os animais silvestres da região: pacas, capivaras, cutias, tatus, teiús, grupos de micos-leões, caititus, perdizes, codornas. Ao ponto de alguns deles já causarem prejuízo: as cutias e pacas comem cacau colhido, os caititus arrancam a mandioca, as capivaras precisam do seu nicho à margem dos rios (Rio das Contas e do Peixe), não permitindo o aproveitamento econômico das terras mais férteis, que ficam em capoeiras grossas e matas.
Depois falaremos da destruição dos cerrados pelos grandes plantadores de soja. Destruidores da placenta alimentadora do São Francisco, mas que ninguém toca.