Reforma Agrária
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1995
Pelo menos estão falando em reforma agrária. É o que acontece quando há ocupações de terras noticiadas pela mídia. Notadamente quando o ministro é um Andrade Vieira, dono de sesmarias e de banco (acostumado com a orgia das TRs, que esquartejam os lavradores – macros e micros). E capaz de fazer alguma coisa contanto que não dê certo, como já ocorreu no Ceará, no Vale do Jaguaribe. Fruto peco da safra dos Cabreras, dos Jáder Barbalho, dos Sarney.
Pena que Fernando (o Henrique) seja um jejuno na lida com os problemas fundiários. Na Sorbonne não os há. Daí aparecem pessoas, até compromissadas com a reforma, que já desesperançadas, defendem o modelo da grande produção mecanizada para a exportação. E aceitam tal modelo sob a alegação de que é uma fatalidade e neoliberal, só restando aos trabalhadores defenderem seus direitos na venda da mão de obra. Residem aqui vários equívocos: a mecanização rouba o emprego (mais importante que educação e saúde, porque representa as necessidades básicas: comida e casa); aumenta os boias-frias, que vegetam nas cidades, sem qualquer vínculo real com a terra. Meros candidatos a desempregados, sobretudo no período de entressafra, agravando os problemas já conhecidos. Precisamos corrigir erros.
Um deles é a qualidade das terras desapropriadas. As boas já estão ocupadas pelos grandes proprietários, que as lavram ou, simplesmente, esperam valorização. Nestas é que a desapropriação deve incidir, ouvindo antes os trabalhadores, que as conhecem melhor que os técnicos. Assentamento em solo ruim é inviável para qualquer produtor – grande ou pequeno. Mas, quando se trata do pequeno, não falta a acusação de preguiça e incompetência.
Mais grave ainda é a aquisição de solos imprestáveis, orientada por funcionários de má-fé (felizmente poucos, mas importantes), em conluio com proprietários de prestígio político. A trama chega a ser criminosa. Na Bahia, desapropriaram 10.000 hectares na região de Morro do Chapéu. Chegamos, com muita dificuldade até a área. Encontramos dois caçadores de mocó.
Perguntamos se não queriam aquelas terras. Responderam que aquilo só dava cascavel. Protestamos junto ao Jader. José Arruti, então no Incra, também o fez – custou-lhe a demissão.
Acontece é que reforma agrária não é só uma questão técnica. É uma missão quase religiosa. Precisam ser conhecidas as variantes e subjetividades do lavrador que só é feliz quando pode plantar e ver o milho pendoar e o feijão florar. Existe muito de lúdico, que os burocratas não entendem. Sabedores disso, os sem-terra aí estão na luta. Não existe fazenda viável desapropriada sem a pressão deles. Jamais ocupam áreas que cumpram função social, como dispõe a Constituição Federal. Querem é fartura no prato, sobra à venda, fixação na terra para fazerem o que sabem e gostam. São sábios na roça e completamente despreparados na cidade.