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Quem diria...

Euclides Neto

Folha do interior - Ipiaú-BA - 1993

Nos tempos velhos, muitos cacauicultores pegavam no facão e na enxada, puxando o eito das roças. Ao seu lado, os trabalhadores, agregados, surraqueiros, macaqueiros, ou que nome tivessem. Ao meio-dia, a comida não diferenciava muito: a jabá e o feijão com farinha.

 Em cima do jirau dos roçados, os proprietários iniciavam a “boca” do corte, na derrubada dos imensos jequitibás e sapucaias. Em sua volta, dois ou três machadeiros a ouvirem a orientação do chefe sobre o “galho mestre” (ramo mais grosso que dá a direção da queda). Nessas horas cantavam chulas, bois, tiravam versos.

Havia união entre os homens. Na mesa-sede podiam sentar-se todos. E na casa de farinha, lugar onde as mulheres se encontravam para rapar a mandioca, cevar, peneirar a massa e assar o beiju, a patroa era vista com um pano amarrado na cabeça como as outras mães de família, que também pariam, meninos que cresciam juntos, armando laços e arapucas. Era assim lá em casa, até que Deus levou minha mãe para embelezar mais o céu, sem o nosso consentimento, claro.

Depois, os fazendeiros afastaram-se dos eitos. Foram morar nas cidades. O relacionamento esgarçou-se. Chegaram as leis, necessárias, evidente, mas que foram distanciando uns dos outros, trazendo a reclamação trabalhista, que se confundia com a queixa policial, altamente agressiva. Os patrões armaram-se mentalmente, estranhando as regalias dos que, tempos atrás, eram amigos de fé e submissão.

Chegou-se à crise atual. Seca, preço do cacau no chão, angústia da vassoura-de-bruxa, safra minguada, bancos arrancando o bofe pelas costas. A crise arrochando. Fazendeiros endividados. Passando até privações. Nem se fala mais nas regalias de automóveis de luxo, viagens, casas-sede monumentais. Os prédios iniciados nas cidades ficaram no osso. Esqueletos de cimento plantados nas ruas principais, virando curiosidades arqueológicas antes do tempo.

 Desolados, todos se aproximaram novamente. Os fazendeiros uniram-se aos sindicatos, a CUT, PT, PCdoB, PPS, os chamados radicais. Sem qualquer preconceito armaram a resistência aos inimigos comuns: o sistema bancário, a multinacional (antes sagrada), o atravessador local, exatamente onde a lavoura se dessangra. Levantaram-se barricadas, queimaram-se pneus, fecharam-se estradas, megafones tonitruando palavras de ordem iguais a todos as intentonas que se prezam. Até a heroica UDR, de escudo e crachá, caiu na subversão. Que bonitinho! Não são jagunços e coronéis em defesa dos interesses destes. São bons camaradas no sentido antigo da palavra, lutando pelo direito regional.

Patrões e proletários de toda a tribo grapiúna, uni-vos! É o que já deviam ter feito há mais tempo. Quem sabe se da região cacaueira não surgirá um novo modelo econômico, ajoujando capital e trabalho nessa travessia do século? E negando a luta de classes do marxismo!

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).