Projeto Parceria
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1991
O projeto de parceria rural anunciado pelo Ministério da Agricultura e Reforma Agrária é mais uma modalidade de corrupção. Tão grave quanto os tradicionais 20% recebidos por fora ou a que se comete despudoradamente na propaganda de obras públicas, visando as eleições futuras.
Até parece que houve um pacto com a UDR: — “Vocês ficam quietos, sem qualquer violência aparente, e nós (lá eles) nos encarregaremos do resto. Coisa parecida com a afirmativa de Plínio Salgado, então deputado federal, durante o governo militar: — “O integralismo (leia-se nipo-nazi-fascismo) venceu no Brasil”. E o caso de parodiar: a UDR venceu!
É que a falsa parceria estabelece que os proprietários entram com os latifúndios improdutivos (25 milhões de hectares, que deveriam ser desapropriados para efeito de reforma agrária) e os sem-terra com o trabalho, riscos de sol, geada, pragas, responsabilidade pelos débitos assumidos, juros, correções. Depois os parceiros dividem a produção.
O pior é que iludem o mais fraco (meeiros, arrendatários, parceiros), seduzindo-o com o financiamento do Banco do Brasil. Aí este serve, mesmo contrariando a sua filosofia.
Muita gente graúda vai simular a tal parceria, pegar o dinheiro e aplicar no que bem entender, sobretudo na aquisição de mais terras.
É um plano que chega a ser estúpido. Parceria no caso é burla, pois o que existe é o medieval arrendamento pelos servos da gleba ou um fraudulento contrato de trabalho. Vale qualquer engodo, contanto que não se mexa nos privilégios dos senhores feudais e não se faça a reforma agrária.
Ora, não se formará uma classe de verdadeiros lavradores, estáveis, com a segurança do futuro, criando o seu lar entre a chácara e o terreiro, ao lado dos animais de estimação, sem a garantia de que aquele chão lhes pertencerá até o fim dos dias, passando aos filhos. A parceria proposta (de três a oito anos) é o uso transitório, incerto, a morada será nas pontas das ruas ou nos barracos improvisados, nômades, enquanto colhe a lavoura temporária, sem qualquer garantia do futuro. Sistema tão cruel quanto o que gerou o boia-fria. Não se trata da parceria em que alguém entrega ao outro uma roça de cacau, por exemplo, para que o parceiro outorgado a explore, dividindo os frutos na proporção que estipular, bem como os riscos do caso fortuito e da força maior, dentro da lei. Nem a entrega de animais para criar nas mesmas condições. Aqui se transfere a terra bruta, improdutiva.
Certamente a inspiração vem de Uberaba: o proprietário passava a terra crua em “parceria” a quem a recebia, que a cultivava algum tempo, depois a devolvia mansa e pronta para receber o capim, onde seriam criados bois e búfalos.
E com os recursos do Banco do Brasil! O mesmo dinheiro que eterniza as vantagens dos usineiros do condado das Alagoas.
A propriedade abandonada continua intocável, absoluta, sagrada. Tabu. Mesmo quando não cumpre a função social, condição exigida pela Carta Maior para que legalmente exista.
Ainda chamam a essa farsa de modernidade, busca do Primeiro Mundo e do clube dos 7 G. Esquecem-se que estes, para chegarem a tanto, fizeram a reforma agrária. Todos! Aqui se remenda, procura-se o artifício jurídico, grosseiro, hipócrita.
Não é por outra razão que tudo desse governo dá errado, e colhe a menor safra dos últimos anos. Irreversivelmente errado.