Prezada Normandia
Euclides Neto para Normandia Aziz
Ipiaú - Ba - 1994
Meu afetuoso abraço.
Somente agora, recebi sua carta acompanhada por um livro da Associação da Escola Família Agrícola da Região de Alagoinhas. É por aí.
Há poucos dias respondi a um longo questionário do IICA (instituto Interamericano para a Agricultura). A todos os quesitos coloquei a reforma agrária como prioridade, para gerar emprego, evitar êxodo rural, inflamação das cidades, violência e fome. Estamos em um estágio tão atrasado, que a prioridade dos 32 milhões de miseráveis brasileiros é comida. Antes mesmo de educação, saúde, etc. Parece uma heresia. Mas, se você encontrar uma família carregada de filhos sob uma marquise e perguntar ao pai o que deseja, a resposta será: comer. E depois? Trabalho. E depois? Morada. Educação e saúde chegam depois.
Um assentado na reforma custa ate U$ 10 mil dólares: na indústria, com os encargos decorrentes dela, precisa-se de U$ 100 mil.
A AEFARA, portanto, é primordial para fixar a família no campo, educando o jovem que transmite o que aprende aos pais. Há uma preocupação enorme com os meninos de rua. Esquecem-se da “família de rua" – a parideira dos abandonados. E se a escola ensina e pratica cidadania, melhor. Faz o homem descobrir o sentido da liberdade, dando-lhe consciência para escolher os seus representantes, o que também nos falta.
A escola não pode ser uma Torre de Marfim. Deve ser orientada para o seu meio. O modelo clássico francês já não tem mais lugar no Brasil. Aqui, é ensinar a trabalhar e pensar, sacudir do lombo o jugo escravocrata.
Minhas respostas ao questionário certamente vão chocar os companheiros escolhidos para o mesmo fim: Josué Montello, Ariano Suassuna, Milton Santos, Rubens Vaz da Costa, Thales de Azevedo, João Cabral de Melo Neto, Rachel de Queiroz, entre outros. Mas pretendi, também, chicotear os vendilhões do templo.
Quanto ao reflorestamento para indústria de celulose, considero um crime. Há anos que venho priorizando emprego e dizendo que nas imensas áreas de plantio para a tal indústria, poderíamos, com a DISTRIBUIÇÃO de suas terras, dar trabalho a muito mais gente, com um retorno social bem maior. Defendo o princípio de que importa mais a viabilidade social que a econômica, o que, até o presente, não é aceito pelos economistas.
Muito obrigado pelos presentes: carta e livros
Euclides Neto
Ipiaú, 8.9.94