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Poder de pressão

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993

 

                Até parece um perfeito regime democrático. Refiro-me ao poder de pressão que alguns grupos exercem sobre o Legislativo, o Judiciário e o Executivo, quando defendem os seus interesses. No caso do Judiciário, nem tanto, pois que é intocável, não depende das próximas eleições. Mas de qualquer modo, teme, no mínimo, a língua do povo, ou melhor, da mídia independente. E há outros tipos de pressão... Do Legislativo, vamos calar...

                 Quanto ao Executivo, concentrado praticamente em uma só pessoa, usa-se o ferrão. Como ele não tem um programa firme, vira um “mané-gostoso”, presa fácil dos mais espertos. Tudo fica na mesmice. Tanto faz PFL, PMDB, ou seus filhotes, tendo Sarney, que estaria bem em qualquer deles, como o símbolo de coisa nenhuma.

                Daí quem tiver mais unhas sobe na parede. Os bancos, as montadoras, os latifundiários improdutivos, as empresas de comunicação pressionam através dos alugados que os representam no Congresso. Ou pelo dinheiro que gastam com a eleição do presidente. A bancada ruralista chega a ser o fiel da balança, quando bota a faca nos peitos do governo.

                 Agora, chegam os sem-terra. Mas com legitimidade e razão. Há tempos descobriram que só conseguirão a reforma agrária na marra, isto é, com uma pressão mais contundente, quebrando normas legais (elaboradas sempre pela classe dominante). E no grito, já que não dispõem de outro poder de coerção, ferem o sacrossanto direito de propriedade, ocupando, irregularmente (nem tanto!), terras ociosas. Não contam com outro meio. Não têm dinheiro para alugar representantes. Elegem alguns gatos pingados que berram no silêncio da indiferença. Não conseguem sensibilizar os insensíveis, nem convencer quem não se quer convencer. Sabem que as poucas terras desapropriadas foram-no marrando (do substantivo marra); sabem que o governo não os atenderá, conquanto tenha prometido na campanha eleitoral; sabem que quando esperam de braços cruzados nada acontece. Sabem de tudo isso e ainda perceberam que a ocupação incomoda, tira o sossego dos que ferem muito a lei com a corrupção. Os sem-terra descobriram a sua arma de luta, com a diferença de que não ameaçam com desemprego, no caso das montadoras, ou de não votarem nos projetos do governo, no caso dos ruralistas, ou não financiarem campanhas no caso de todos. A marra legitima-se quando é para salvar bancos e defender os roedores que os levaram à falência, prejudicando pequenos poupadores e funcionários. No caso dos carentes, a marra passa a ser crime hediondo. Uns pressionam para combater o desemprego e a fome, os dois maiores dramas da atualidade. Os demais pressionam para ficar mais ricos e poderosos. Estes nada arriscam. Os sem-terra põem em jogo a própria vida e a da família. Uns são presos e assassinados sobre a lama como porcos. Outros vão descansar nas delícias do Caribe.

                E ainda se fala que todos são iguais perante a lei!

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).