OS SEM-ÁGUA E A CHESF
Euclides Neto
A TARDE - Salvador - BA - 1999
Ipiaú, 07 de junho de 1999
Até setores dos partidos que são capazes de apoiar a privatização da Colina Sagrada do Bonfim (mudando o seu nome como fizeram com o do Banco Econômico...), alegando a farsa da criação de empregos e a carência de capital para investir, estão se levantando contra a privatização da CHESF. Poderão até criar um tributo sobre os milagres que o Estado paternalmente não cobra.
Teremos mais uma grilagem: a da água, que já existe de modo disfarçado, quando os donos das terras ribeirinhas se apropriam dos mananciais, inclusive das barragens construídas pelo governo, e proíbem que moradores vizinhos se sirvam deles.
Surgirá, então o Movimento dos Trabalhadores Sem-Água, o MSA. Depois vão acusá-lo de invasor, criminoso, seguidor dos sendeiros, incentivados pelo PCdoB, PT, CUT.
O mesmo drama dos sem-terra, MST, que não podem plantar uma cuia de feijão gurutuba na fazenda do Sr. Cecílio Rego Almeida, detentor de 7 milhões de hectares, na Amazônia, porque a milícia particular (antigo exército dos marajás) logo os expulsará. Quando o caatingueiro for às barrancas do Chicão em busca de água, o mínimo que poderá acontecer é o novo dono da CHESF pretender cobrar o preço do líquido, equivalente à energia que deixará de produzir nas suas turbinas. Ou voltar com o pote vazio. Não faltará quem, para estimular a cobiça, demonstrando que o negócio é lucrativo, crie a taxa sobre a lata d'água, como fazem com o aumento das tarifas antes dos leilões. Tudo para agradar quem usa estrelas na cartola com fundo azul-vermelho-branco. E não me digam que haverá controle para o abuso, pois que nada por aqui é controlado. Quase tudo isso, aliás, está denunciado em reportagem do deputado Aleluia, neste jornal.
O procedimento é o que os insensíveis chamam de profissionalização, entortando completamente o sentido da palavra. Profissionalização passa a significar não ter compromisso com o social, preocupar-se somente com o sistema econômico vigente. Enfiar os números que interessam no computador e esperar, sem alma, friamente, o resultado. É o chamado, também, "pensar maior", quer dizer, planejamento teórico, acadêmico, monetarista, aplicando o que foi mal digerido nos 7 Grandes do primeiríssimo do mundo, sem pensar na lavourinha do de-comer dos de mão-estendida. Ao contrário de ser "tarefeiro", desprezível, que não dá status. Certo é tirar isenções das Santas Casas, porque o Sr. Computador disse que tal medida economizará milhões, mesmo custando muitas vidas.
Privatizam e ainda dirão que o dinheiro será empregado na contenção das encostas de Salvador, quando, na realidade, irá pelos ares na propaganda oficial (28 milhões o ano passado, segundo Filemon Mattos) e na demagogia feérica. Além da construção de escolas-modelo de luxo...
Teremos, pois, os sem-água, que se juntarão aos sem-coisa alguma.