Os que não votam em Lula
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993
Todos são iguais perante a lei: podem votar e serem votados. Teoricamente. Para os pobres, muitos só admitem até o degrau da vereança. A presidência, somente com árvore genealógica bem galhuda: de sangue ou dinheiro. Caso surja a possibilidade de um Lula candidatar-se, com os seus 30% na pesquisa inicial, os fidalgos apavoram-se. A reação explode enérgica. Um operário não pode ocupar o Alvorada!
Até os que parecem democratas de esquerda inquietam-se. Os partidos de colarinho branco, os mesmos conservadores e liberais do Império — da Universidade de Coimbra, senhores de engenho ou cafeicultores do massapê roxo, ainda hoje — arrepiam-se e rufam os tambores, partindo à guerra: Lula, não! Unamo-nos, com Satanás, se preciso.
Até aqui foi interessante subir nos palanques com Luís Inácio, defendendo as diretas, o impeachment, depurando o Congresso nas CPIs. Como se o partido do torneiro servisse apenas como um enfeite da democracia. Espécie também de mulata bonita da favela, companhia alegre só durante o Carnaval, jamais podendo alcançar o altar do poder de véu e grinalda.
Fosse Maluf, não seriam tão radicais. Juntar-se ao nordestino, visando rupturar (assumo o verbo) efetivamente a carapaça de privilégios, jamais. No fundo, os interesses são os mesmos da classe dominante.
Mais fácil apoiar o Quércia, que o cidadão ainda polvilhado com as limalhas da oficina, torneado na sabedoria dos becos, da panela vazia, dos sem-terra e sem-teto. Um Brizola, em último caso, apoiariam (ainda bem), já que ele se lavou das crecas do menino da praça. Não traz as unhas sujas de graxa, virou engenheiro, casou-se com latifundiária, diluiu o sangue plebeu purificou-se do pecado original. Trata-se portanto, de uma resistência figadal.
Admite-se aceitar o apoio de Lula como um adubo no pé da árvore da ambição política. Segui-lo jamais. É o ranço aristocrático. Seria humilhação descer ao galpão fabril. Trabalhadores servem pela militância, para pé de palanque, boca de urna, gritar nos comícios, empunhar bandeirinhas e engrossar passeatas. Na hora de ir ao banquete da casa-grande, nunca: a negralhada que procure seu lugar na gamela da senzala. Esses lordes ainda vivem no século passado. Não pressentem o novo milênio.
Imaginam que a presidência privativa dos empoados mesmo que continue a história dos escândalos, fome, inflação, cidades entulhadas de miseráveis e terras improdutivas. Não sentem a necessidade de uma ruptura, com um governo nascido do chão.