Os padres serão xingados de cristãos
Euclides Neto
Folha do Cacau - Camacã - BA - 1986
Quando os comunistas defendiam as reformas agrária, urbana, bancária, fiscal e a PETROBRÁS foram escorraçados, presos, torturados. Um tal de Mister Linck — funcionário da Esso – veio ao Brasil para ensinar a extrair petróleo e afirmou categórico: aqui não existe o referido, tenho dito; fechou as malas e voltou à sua multinacional com o dever cumprido e bem remunerado. Mas os comunistas e outros homens de vanguarda — Monteiro Lobato à frente, que também foi parar no xilindró e xingado de comunista — teimaram e demonstraram que existia o que o gringo negava.
Depois a Reforma Agrária tomou corpo. Nestor Duarte escreveu livro defendendo-a. Alguns bispos jejunos em Bíblia atacavam-na e doutrinavam: “Entre o socialismo e o comunismo não existe nenhuma distinção doutrinária essencial e consistente”; “E foi nesta Paz social que o Brasil alcançou, como já dissemos, a merecida reputação de um dos países de maior fartura no mundo”. Dois absurdos para o dia de hoje: primeiro, o Socialista Josaphat apoiado pela extrema direita TFP, UDR — Klu Klux Klan tupiniquim); segundo, a fartura brasileira. Deus seja louvado! Tais disparates estão no livro “Reforma Agrária – Questão de Consciência”, de Dom Antônio e outros dons, ed. 1960.
Reforma Agrária, então virou sinônimo de comunismo. São Hélder Câmara, voltando dos sete mares, aconselha: “Não devemos abandonar bandeiras certas por estarem empunhadas por mãos erradas”. As mãos erradas, óbvio, eram as dos comunistas. Ele, então, empunhou o estandarte da verdade. Os bispos de cuca melhorada, em Itaici, 1980, lançam a tese: terra de trabalho, que deve ser entregue a quem nela planta e colhe; e terra de exploração, a que o frio capital compra e nela explora o trabalho alheio, engolindo todos os lucros. Os padres, que estavam esquecidos da Bíblia, voltam a ela, recordando, Isaías e Miquéias: “Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não haja mais espaço disponível. Até serem eles os únicos moradores sob a terra... Ai dos que planejam fazer o mal: apoderam-se das terras; roubam as casas dos pobres. A paciência do Senhor chegou ao fim”. Isto é do Livro Sagrado, repito, e não de o Capital, do barbudo.
Os privilegiados, os que tinham lugar cativo nos bancos dianteiros da igreja, quando não um camarote ao lado do altar-mor, e as senhoras sangue-limpo que se ajoelhavam em cadeirinhas acolchoadas de veludo, bordado em pedrarias, viram que a Igreja optava pelos pobres. “Mas, Senhor, eu não mato, não furto, não adultero” (disseram os cristãos de crucifixo d'ouro no peito), “que falta para ganhar o reino dos céus”. E Jesus continuava respondendo: "vende o que tens e reparte com os pobres". Se eu multipliquei os peixes e os pães foi para dizer que o homem também é o corpo. Não basta viver orando. O fazer é mais importante que o dizer.
E os fariseus perguntaram: “Mas hoje é sábado e estás a colher espigas de trigo?". E Jesus: “David entrou no templo e apanhou os pães destinados ao culto, também no sábado”. Daí se compreender que os padres — nem precisa falar em Beto, Boff, Casaldáliga, por enquanto! — estão colhendo espigas junto com os marxistas. Pelo que crucificam Jesus novamente, os inimigos da reforma agrária. Os vigários estão sendo assassinados nas encruzilhadas das terras griladas. Quando os donos de milhões de hectares cansaram de enxovalhar os comunistas de maus filhos, maus pais, comedores de fígado de criancinha (quanto ridículo junto), os padres passaram a ser execrados porque tomaram a dianteira na defesa dos oprimidos. Seus pecados humanos, a serem espiados pelas fechaduras; seus passos, cobertos de excrementos. São xingados de cristãos porque optaram pelos evangelhos. Se ganharão o reino dos céus, não sei. Mas quando os da UDR estiverem nas labaredas eternas do inferno, pedirão que, ao menos, se molhe com um pouco da saliva do leproso Lázaro a ponta das suas línguas maledicentes. É que tiveram muito, mas nada foram. Pretendem só as vantagens de se dizerem cristãos, crentes em Deus, sem, contudo, seguir os ensinamentos do Sermão da Montanha. São os cristãos de estatística.