Os defensores do São Francisco
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador-BA - 1996
Aumentaram os heroicos salvadores do São Francisco. Muitos são os que levaram anos a fio e nada fizeram por ele. Assistiam a tudo com a conivência dos culpados. Também são os mesmos que ainda pregam a modernidade a qualquer custo, explorando os recursos naturais até exauri-los, visando sempre ao lucro.
Após a grande devastação das matas mais encorpadas das proximidades do grande rio, ainda no tempo do desastre econômico, que chamavam de milagre, chegaram os plantadores de soja, logo depois de Barreiras — nos cerrados e gerais. Somente destes tratarei aqui. Semearam incentivos, dinheiro e grãos. Entrou a tecnologia inconsequente com os tratores. E pior: despejaram toneladas de veneno. Esqueceram-se que ali também estavam os alimentadores dos rios como o afluente Taguari. Neste viam-se os abundantes peixes a três metros de profundidade, na esmeralda transparente e clara das águas. Parecia mais um aquário iluminado. Além das águas correntes, lá existiam as veredas (lagoas) aos milhões, agasalhadas sob as plantas aquáticas e vigiadas pelos buritis. A vegetação em volta era mirrada, com suas palmeirinhas anãs a cobrirem milhares de quilômetros quadrados. Todas essas veredas merejavam para os leitos que iam dar no São Francisco.
Que fizeram? Destruíram quase tudo em nome da redentora soja. Violentaram a terra com os arados e grades, rasgando a delicada pele da areia magra, que só serve como suporte físico. Aí despejaram mais toneladas de calcários, adubos químicos e agrotóxicos, além da irrigação salinizante. A flora original adaptada às condições adversas, e que formavam um sistema ciliar denso como uma esponja intumescida, desaparece. Já começa a virar deserto de solo lavado, que funcionava como uma imensa placenta do São Francisco. Tudo com o incentivo e o entusiasmo dos que pregam a modernidade, a competitividade do lucro. Agora querem defender o Chico, depois que o desgraçaram.
Vou fazer uma provocação no melhor sentido: o saudoso rio deveria ser preservado somente para dessedentar o homem e suas criações. No máximo, o aproveitamento para movimentar as turbinas, conquanto elas tenham causado tanto sofrimento à população das vazantes naturais.
Lembrem-se que as guerras do futuro não serão pelo petróleo, mas pela água de beber. E todo esse criminoso procedimento serviu a poucos que enriqueceram com os créditos e as safras. Os esfarrapados estão inflamando a periferia de Barreiras, que mostra uma falsa e momentânea riqueza somente para alguns.