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O tabaréu e o computador

Euclides Neto

A TARDE - Salvador - BA - 1993

 

                Feliz de quem foi xucro e não é mais. Nasceu e criou-se no mato. Morou em casa coberta com palha e paredes de taipa, ouvindo os pios da surucucu terrível. Assistiu à fogueira de São João sob o espoucar dos mosquetões. Só muitos anos depois conheceu sorvete, trocou a caneta bico de pato e o tinteiro com gargalo amarrado de embira enfiada no dedo pela caneta Mont Blanc. Possuiu máquinas de escrever comum e elétrica. A felicidade achou pouco e o pai dos netos de São Paulo mandou-lhe um computador para escrever as asneiras que não pode deixar de escrever. Cada avanço foi um gozo novidadeiro. Ao contrário dos que hoje encontram as coisas feitas e acabadas para o consumismo fácil, enjoando a própria vida.

                Antes viajava na canela pelas veredas das matas. Montou em boi manso, passou ao burro de sela, progrediu ao Jipe. Viu o Everest à distância de pegar com a mão, trepado no bicho voador que carregava mais de 400 passageiros, indo para o fim do mundo. Depois de conhecer o Taj Mahal.

                Saiu lá do mato e vadiou pela cumeeira da terra. Não pode se queixar da vida. Mas, como ia dizendo, ganhou um computador moderno. De começo teve medo dele. A ignorância teme a sabedoria. Pensou em sobrenatural e o complexo de inferioridade do mateiro surgiu logo, diminuindo depois, até que se imaginou quase igual ao micro que sabe tudo. De saída, a máquina pressentiu o medo, feito cavalo esperto que, ao passar a perna do cavaleiro, conhece o seu pavor.

                Afinal, ficaram amigos. Até o dicionário prestimoso para dar o quinau nas horas dos ch, x, z, sz trazidos viciados da escola da professora leiga, ajudava.

                Quando se pensa em dominar o troço, ele nos chama à insignificância, obriga-nos à devida dependência. E pior: ridiculariza-nos. Até risinhos de mofa se ouve. Primeiro embaralha tudo e só se ouve: pib... pib... pib.

                Diagnostica-se: é o contato elétrico ou bateu-se na tecla errada. Não é. Descobre-se que foi uma miserável teia de aranha que, invisível e solerte, se teceu no rabo do calhorda, sabe-se lá como. Depois as frases na língua gringa se repetem a cada batida. E não adiantaram os CTRL, ALT e DEL... Virou tudo uma esculhambação, quase uma gargalhada de zombaria. Numa bela hora, sai do excomungado, sem ninguém saber como entrou, o desgramado de um filhote de lagartixa da finura de um palito. Agora, neste exato momento, é um marimbondo, dos que dependuram a casa por um fiapo de cordão. Já se viu tanta perseguição junta! É muita coincidência, dando pra pensar na presença de Romãozinho, o fantasminha perverso.

                Será que tudo isso é para dizer ao tabaréu que seu lugar é mesmo com as aranhas, lagartixas e marimbondos, e quem nasceu para caneta-tinteiro amarrado de embira jamais chagará ao microcomputador?

 

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ipiaú-BA (1925-2000).