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O semiárido (IV)

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1992

 

                Já falamos da terra e da água. Agora vamos sugerir os meios de conviver com a seca, já que resolvê-la é impossível. E conviver como gente.

 O primeiro passo é acreditar nos métodos desenvolvidos pelos caatingueiros há séculos. Praticamente, até hoje, nenhuma técnica acadêmica contribuiu para melhorar a vida dos nordestinos. Pelo contrário: muitas complicaram e deram prejuízos a eles.

                A segunda verdade é que a vocação do semiárido é a pecuária. Agricultura sempre é risco maior. E o risco do criatório pode ser resolvido. Vejamos: nos países frios leva-se uma grande parte do ano com os animais abrigados em grandes estábulos, aquecidos e fechados, alimentando-se com feno e grãos reservados para tal período. Aqui não precisamos de tais abrigos. Necessitamos somente de produzir e guardar o feno (de búfalo, que é capim já comprovado, e das plantas nativas colhidas no tempo da fartura), aproveitando-se a mão de obra ociosa de velhos, meninos e mulheres). Ao lado do feno, culturas de palma, algaroba, que produzem também folhas e frutos durante o período crítico quando, nos países frios, nada vegeta, devido ao gelo. Temos, pois, vantagens enormes.

                Para tanto, aí sim, deveria haver a extensão rural, objetiva, ágil, compromissada, que atuasse a começar das escolas, em que os livros de leitura, aritmética e uma disciplina específica se voltassem para os ensinamentos do trabalho no campo. E que as escolas normais e ginásios tivessem também os currículos ministrados por agrônomos, veterinários, técnicos agrícolas, ao lado dos professores de história, comunicação, psicologia. Tudo comprometido com a agropecuária local, aproveitando os prédios e equipamentos existentes.

                A tecnologia sofisticada, a grande irrigação, por exemplo, viria à medida que fossem criadas condições para tanto. Ao lado do aprimoramento das técnicas simples e já usadas, com sucesso. Nada de inovações “sábias”", que nunca foram testadas nas regiões de chuvas escassas e irregulares. Com essa mania de modernidade, nem se melhora o que existe, nem se chega ao primeiro mundo. Fica muita gente de cara pra cima, esperando o milagre anunciado, inclusive a irrigação. Uma coisa é o Brasil produzir 70 milhões de toneladas de grãos, sofisticadamente, em terrenos, clima e topografia privilegiados. Outra é dar condição aos que não têm tais vantagens, mas carecem de semear e criar para comer. Do que adianta colher 70 milhões de toneladas se os nordestinos não terão condições de comprar? E a fome será a mesma. Temos que plantar no Brasil todo, gerando trabalho e economizando transporte. A viabilidade econômica importa menos que a viabilidade social. Se pensam que o semiárido terá de acompanhar a modernidade, caso contrário deverá morrer de fome, tudo bem... Os modernosos que assumam o crime.

                Enquanto a pesquisa não encontrar a solução efetiva, o jeito é melhorar o que já se faz, com simplicidade. Por exemplo, vacinar sistematicamente os animais. Criar condições para pequenas indústrias. Proteger ao máximo a caatinga, que fornece comida durante o verde (oito a nove meses ao ano). Plantar capim (feno), palma e algaroba nas terras já desmatadas. Que haja um planejamento a longo prazo, o que significa dizer: com continuidade. Não adianta entrar um governo e parar o que outro iniciou. Tudo se perde. Além do mais, das verbas destinadas às regiões secas, o que chega à terra mesmo, em termos de sementes, adubos, extensão rural útil, não atinge a 10%. O resto fica nos veículos, que logo viram sucata, nos salários dos técnicos, nas diárias, instalações com ar-condicionado, máquinas de escrever, carteiras e armários. E um pessoal, com as exceções admiráveis, que é apanhado nas universidades sem qualquer prática e é levado para o campo. Quase tudo fica em relatórios, pequenas áreas bonitinhas para mostrar, fazer o vídeo e nada mais.

                Resumindo, a solução e relativamente simples: plantar o que ajuda a atravessar a seca, guardando o que for possível, para alimentar as pessoas e os animais no período crítico, havendo um convencimento de que o tempo ruim virá, assim como na Europa o inverno chega com o gelo, e, se não guardar comida, morrem todos. O mal daqui é que se fica na ilusão de que aquele ano terá chuva. Não se criou a tradição da reserva de alimentos. O assunto é amplo e daria para muitos artigos, mas vamos ficar por aqui.

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).