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O semiárido e a água (III)

Euclides Neto

Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1992

 

                A prioridade da água no semiárido é matar a sede dos seres humanos. Não precisaria afirmar o óbvio, se a ganância do lucro não estivesse presente em todas as manifestações da chamada economia de mercado. Deve-se, portanto, ter o cuidado de não poluí-la com os despejos industriais, os esgotos urbanos e os agrotóxicos.

                Os simplistas falam da irrigação como o único meio de solucionar o semiárido. Esquecem-se, contudo, que não temos tecnologia capaz de economizar água, evitar a salinização do solo e os danos causados pelos venenos nos mananciais e nos alimentos produzidos. Nem possuímos dinheiro, nem água, nem eletricidade para a demanda. Além de sabermos que imensas extensões de terra estão, com as suas populações, distantes da água e da energia, precisando, igualmente, ser atendidas. E os projetos de irrigação têm servido mais para beneficiar as grandes empresas, criando, na melhor das hipóteses, o boia-fria, com pingadas exceções.

                Certa vez, no município de Campo Formoso, vi um plantio de tomate “caiado” de agrotóxico. Perguntei ao dono se ele comia daqueles frutos. Quase assustado, respondeu-me: destes, não. Mas os tomates já estavam sendo encaixotados com destino ao consumidor.

                Outro problema é a grilagem da água, com o abuso de alguns apossando-se das margens dos rios, açudes, barragens, proibindo o acesso à população carente. Ou trocando a água pela metade da produção agrícola irrigada pelos verdadeiros lavradores.

                Há poucos dias li a seguinte declaração de uma autoridade: iria trazer água da barragem de Mirorós para servir às cidades mais próximas e à irrigação do Baixio de Irecê. Nada mais absurdo. Tal barragem, se encheu alguma vez, tem capacidade para irrigar somente 4.000 hectares. A jusante já existem cerca de 2.500 molhados, poluindo todo o curso, que não serve mais para beber no seu longo caminho. Como, então, pretendem irrigar o Baixio de Irecê, cujo projeto original é de 140.000 hectares, carecendo sangrar do São Francisco 10% do seu volume? Sendo assim, a capacidade de Mirorós dará, se muito, para dessedentar algumas cidades, inclusive a de Irecê. Jamais para a irrigação do Baixio.

                A geração da energia é outra dificuldade a ser resolvida. A Chesf quer água para as turbinas. A Codevasf, para as leiras. Cada uma acha que a sua atividade é prioritária. A disputa está instalada. Precisa-se evitar também o choque entre os irrigantes. É o caso do rio Salitre: os de baixo alegam que os de cima estão consumindo toda a água, pelo que entendem de cortar os fios da rede elétrica, inviabilizando o plantio a montante. Os de cima descem para ligar de qualquer forma. Gera o conflito, que já deu em mortes.

                Sugestões: a) ter sempre em vista que a prioridade da água é para beber; b) a mesma proteção que se der à terra, impedindo a concentração nos latifúndios improdutivos, deve-se, com mais razões, cuidar dos recursos hídricos, evitando-se que os espertos formem “latihidros” ociosos; c) aproveitar as chuvas em pequenas barragens, caixios, tanques, implúvios, construindo telheiros amplos (que servirão também para guardar feno), capazes de captá-las, com reservatório ao lado; d) muito cuidado com o uso dos agrotóxicos, levando-se às comunidades, sobretudo através das escolas, conhecimentos básicos da sua aplicação; e) perfuração de poços tubulares, onde houver água e ela for utilizável (muita gente imagina que basta enfincar o tubo no chão e lá vem a potável.

                Não sabe que a vazão, mais das vezes, é insuficiente ou a qualidade do líquido é imprestável; f) pesquisa, sem preconceito contra os métodos usados pelos sertanejos, nas universidades, notadamente de Conquista, Jequié, Feira de Santana, Juazeiro, buscando soluções práticas e viáveis; g) continuidade nos programas; h) cultura intensiva de plantas capazes de armazenar água, como a palma, umbuzeiro, etc.; i) priorizar o fornecimento de água às comunidades rurais, antes mesmo que qualquer outro benefício público; j) proteger os tanques com telhas e os açudes e barragens com plantas aquáticas, para evitar a evaporação, que bebe 40% da água armazenada; l) elaboração do programa e realização das obras por um conselho comunitário, apolítico, composto de sindicatos, associações, religiosos, prefeito, vereadores e técnicos do governo residentes no município, único meio evitar a corrupção.

 

 

ilustração: Adrianne Gallinari
Euclides Neto
Euclides Neto: Escritor, advogado e político da região de Ilhéus (1925-2000).