O príncipe e os deuses
Euclides Neto
Tribuna da Bahia - Salvador - BA - 1993
Por Jesus não confundir com a guarda pretoriana. Pois quem assiste ao egrégio colegiado adentrando no sacrário da Justiça tem a impressão de ver um desfile de deuses chegando ao Olimpo. Circunspectos, vestes talares no rigor dos botões, cordões e arminhos alvíssimos como a própria alma dos seus varões. Sente-se encantamento pela austeridade daqueles inconfundíveis seres superiores. Monges atravessando os umbrais dos mosteiros milenários do Nepal.
Vão votar. Escolherão o mais egrégio de todos para presidi-los. Trata-se dos sufrágios mais respeitáveis do reino. Vindos de consciências peregrinas, da coragem indômita, do saber mais sábio. Julgarão um par. Eles que julgam todos os nobres e súditos da corte. Diz-se-ia o voto também mais livre, isento das baixas influências das coisas materiais. São nutridos, regiamente remunerados, bem morados de casa, cama e mesa. Viajam em carruagens puxadas por cem cavalos pretos. Estão acima das estrelas. Ninguém os julga, nem permitiriam que os mortais o fizessem. Oniscientes, com certeza. Quase onipotentes.
Mesmo assim, são suscetíveis às maledicências da plebe. Sensitivas delicadas. Melindrosos. Não poderiam ser de outro modo. Até se imaginam gerados de outra matéria, deuses que são.
Vão votar. A vontade de tão excelsa corte será infensa de qualquer nuga. Nenhuma eiva lhes cai sobre a aureolada fronte.
Contudo, quem os pastoreia é o príncipe. E ele que, segundo insuspeita fonte da própria corte, detém o número de votos que apontará o escolhido. De antemão, todos já sabem quem será o presidente. Antes do pleito, dois nomes podem ser candidatos. Mais para aparentar independência do colegiado, que na realidade não vota.
Dos finalistas, o derrotado também não dará um suspiro. Tem que ser um eunuco. Não lhe passa pela cabeça o gesto de franzir o sobrolho. Mesmo que seja aquele que levou companheiros em linda nave a percorrer as delícias do azul Mediterrâneo.
Claro que alguns resistem. Tolos. Destes, nem se cogitam os nomes. Chamam-se Raimundos, Jaimes, Josés e Osmares. Deve haver outros. Estes jamais chegarão à presidente. São rebeldes. O príncipe não os quer. Os ingênuos, o menino da escola que aprende a independência dos Três Poderes, ainda que harmônicos, poderiam perguntar: e daí? A independência do Judiciário o príncipe comeu.
Só ele manda no reino. No Legislativo também.
O príncipe é um gênio no meio da pusilanimidade. E nega o disparate de que só o povo se vende por uma cesta básica ou um prato de feijão (lentilhas).